1 de maio de 2015

Córdoba e as cidades invisíveis!



Terminado o livro "Cidades Invisíveis" de Ítalo Calvino pensei ser discutível definir qual  a essência de uma cidade. Sua população, talvez, seja apenas o acidente da essência. Das construções não penso diferente, apenas fluem pela essência.  São poucos os livros que nos deixam esse Q agudo de questão. Ao tratar da história de Marco Polo, viajante estrangeiro empregado por Khan Kublai, que, tendo como missão descobrir novas cidades e descrevê-las ao Rei (Kublai), assim o faz, mas de forma diferente. Marco Polo descreve as cidades para Kublai sem citar seus monumentos, as construções humanas, o tamanho do império, e todas as coisas que estaríamos acostumados a pensar como definição singular da cidade. Se te pergunto, caro leitor, o que define a sua cidade, certamente pensaria em algum local, em algum ponto específico, retrataria o humor das pessoas, a forma de trabalho que mais emprega, os índices de qualidade de vida, entre outras coisas. Mas a questão não estaria respondida. Respondido estaria o que contém na cidade, e não o que ela é em si.
Segundo Marco Polo, "de uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas", e, que respostas sua cidade lhe dá? Pense a respeito.
Mais interessante ainda é a seguinte frase que Marco Polo dá em resposta a uma pergunta de Kublai: "Quem comanda a narração não é a voz: é o ouvido". Fato. Nada mais a ser dito. Ouvimos apenas o que queremos ouvir, fazendo das palavras dos outros os nossos significados. Velha história de que o que Joãozinho fala de Maria diz mais de Joãozinho do que de Maria.
Contudo, voltemos ao ponto principal desse texto. O que singularmente define a cidade em que vivemos?
Pensando na que vivo, Ribeirão Preto - SP, não consigo subtrair alguma resposta específica. Encontro pensamentos vagos, como por exemplo, o habitante de Ribeirão sente que navega em grandezas quando na verdade é apenas uma cidade do interior paulista. Temos o nariz empinado, mas a cidade se esgota e se dilui no dinheiro: vivemos na crua desigualdade. De um lado, os quinze por cento da população que possuem oitenta por cento das terras, do outro, os oitenta e cinco por cento que dividem em si o resto (e ainda pensam que estão no lucro). Dizem também, que o espírito da cidade é a Chopperia Pinguim, repito, reduzem (e isso é comum, não normal) o todo e o concentram em um estabelecimento.
Faz pouco, como viajante (breve período de um mês) conheci parte da Argentina, mais especificamente a região de Córdoba e Villa Carlos Paz, e, sinceramente, bem como Marco Polo que não sabia descrever a cidade em que vivia, por medo de perdê-la da mente (Veneza, Itália), tampouco eu sei dizer de Ribeirão Preto, mas creio saber dizer dos municípios argentinos que citei. 
Descrevo:  os desejos são despertados em quem vista Córdoba, não desejos simples, mas o simples desejo. O desejo de existir e gozar da existência, sabendo que, como viajante, o tempo não existe, as horas se confundem na vontade de querer ali permanecer. Ao imergir em Córdoba o visitante é convidado a abandonar o ritmo em que está acostumado e abrir-se a novos passos. As pessoas, generalizando, dão preferência ao "Bom dia, como tem estado?" do que o vago e vulgar "Oi, tudo bem?". Parece pouco, mas é profundo. Perguntam como tem estado no intuito de que se conte ao máximo como está se sentindo ultimamente, e isso não acontece somente por se ser visitante, é hábito. Muito diferente do nosso (parâmetro de comparação) popular "tudo bem", que ao perguntar já induz o Sim no ouvinte.
Caminhando pela cidade se é convidado a usufruí-la, usando as palavras de Marco Polo "o que dá forma aos seus desejos toma dos seus desejos a sua forma", é bem assim. No caminhar também se fica vislumbrado com a quantidade de árvores, seja nas avenidas, bairros ou periferia. Não dá para simplesmente ignorar esse fato: as pessoas se sentem mais livres com as inúmeras árvores. E, em prol disso, utilizam mais o Transporte Coletivo (que não é tão melhor do que o do Brasil).
Certa vez, quando ainda estava no segundo dia na cidade e precisava chegar à Calle (rua) Laprida, uma das principais da cidade (precisava conhecer a escola Set Idiomas e dar início as aulas), estendi a mão para que o coletivo parasse. Nesse meio tempo, dois motoristas (em seus carros) pararam ao esticar as minhas mãos. Me ofereciam carona para o centro, e sem que eu pedisse. Veja bem, isso não torna-as melhores do que a população daqui, apenas me espantei.
O ponto em que quero chegar, e faz-se necessário citar tudo isso, é o de que as pessoas preocupam-se mais com o falar e o ouvir, diálogo. Ao conhecer a fonte das águas dançantes <para pesquisar no google, digite Paseo del buen Pastor Aguas Danzantes> (deixarei fotos), notei o quanto isso faz parte da vida dessas pessoas e define a essência daquela cidade.
Todo dia a partir das 19h, inicia-se o espetáculo: vários feixes de água são ativados, fazendo com que as águas "dancem" na sincronia de alguma música (geralmente hinos, da cidade, do país, etc.). E isso dura de cinco a dez minutos, repetindo o ato a cada uma hora até dar meia noite.
Mas não é o ato em si e a beleza dele que é magnífico. Mas sim o fato de que, no mínimo vinte minutos antes, as pessoas que por ali passam se reúnem ao redor da fonte e conversam, ou apenas tomam El Mate, deliciando-se não com a bebida, mas com a ausência das palavras que falam mais do que todo diálogo. Ali, expressam-se inúmeros sorrisos, abraços, e até beijos prolongados, mas nada de vulgar, apenas romantismo.
Ali, pais e filhos se juntam para contemplarem o que importa: o existir.
E essa cena se repete em outros lugares (lugares = meras desculpas para se reunirem, a fim de não darem o braço a torcer de que o principal é estarem ali, juntos, sem um por quê), independente das horas do dia. O tempo simplesmente não existe naquele momento. As pessoas até chegam a ficarem chateadas quando começa o espetáculo das águas dançantes. Elas sabem que não estão ali por conta disso. Estão ali porque estão. Está na essência, o prazer de não ser homem-cronos, ou então, homem-finalidade, o prazer de ser, e apenas estar sendo. Sem mais.
Para entender a Essência de uma cidade, deve-se pensar como Marco Polo, personagem de Calvino, "os símbolos formam uma língua, mas não aquela que você imagina conhecer".
Uma cidade é muito mais do que parece ser. Um símbolo é muito mais do que parece ser. A essência, de qualquer objeto, só é encontrada quando não procuramos encontrar. Talvez por isso eu não saiba definir o que faz de Ribeirão Preto uma cidade essência, mas saiba definir, mesmo sem viver lá, o que define a singularidade de Córdoba, Villa Carlos Paz (que ainda escreverei sobre), e uma cidadezinha aqui de São Paulo, Leme.
Fica como possibilidade de leitura aos leitores do Blog: As cidades invisíveis, de Ítalo Calvino, e, Alguma Poesia, de Carlos Drummond de Andrade.
A seguir, algumas fotos da essência (deduz o escritor) de Córdoba, Argentina, nada muito atrativas (as fotos) para quem apenas vive de estética:

Paseo del Buen Pastor - dá para ver o quanto de pessoas se reúnem ai? E todos os dias! As vezes, ficam ali conversando por horas e horas, até dar meia-noite e tomarem o rumo das suas casas, conversando. Fantástico!

 Aqui a Principal Igreja da Cidade, mas não é dela que quero dizer, mas das árvores. Elas estão por todos os lados. Precisamos tomar um pouco delas para nós (plantando, não arrancando de lá, ok?).


 Essa última foto, para mim, a mais importante: o Sorriso de Mercedes, tão sábia quanto possível e com toda simplicidade do mundo, é demais! Ela é quem mais conversou comigo durante os dias em que fiquei na casa da Dona Gabriela, pessoas magníficas, difíceis de encontrar independente de onde vá!

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