30 de setembro de 2017

Quantas falácias cabem dentro de uma frase?



E prenda toda gente
por ser incompetente
por ir a escola
por pedir esmola
por mendigar amor.

E prenda todo povo
por sorrir de novo
por chorar
por ser estorvo
por cansar de ser
da corte o bobo.

E prenda
quem vive de merenda
quem vive sem renda
chame de vagabundo
chame de preguiçoso.

Só não se esqueça
de espiar o ambiente
onde toda essa gente
aprendeu
a ser
tu
ele
eu.

Não caia na falácia
da meritocracia,
não escorregue nos enfeites
do "é assim porque quer",
as circunstâncias modelam
tanto um

poema
quanto um
problema,

depende do ambiente
dos fatores, do esquema,
altere mais as variáveis
de um discurso mesquinho.

29 de setembro de 2017

Reflexões banais e necessárias - Ócio I

             

            O ócio é a atividade mais negligenciada pelo contexto social em que vivemos. E é no ócio que notamos isso. A exigência é a de sempre se comportar visando determinados objetivos e metas. Quanto banalidade! A vida é um leque de ócios, todos eles admiráveis.
Para efeito dessa observação, é válido esclarecer que não existe o ócio enquanto comportamento de não se comportar. Oh não, isso é outra banalidade. O ócio é mais para uma arte de se dispor a não planejar nenhum movimento a não ser o de esperar que pessoas, assuntos, pensamentos, além de observações, ocorrerão/virão pela simples relação de aprofundamento de estar parado. Daí se observa certo processo. É quase impossível a existência de um ócio que não gere assuntos relevantes ou pensamentos altamente especializados. E por quê? Bem, a simples não concorrência com outras fontes de estimulação possibilita que poucas variáveis sejam extremamente relevantes, além de não se ter do que fugir ou do que se esquivar, como ocorre em sala de aula com uma matéria absurdamente chata e trivial.

             O ócio é sensibilidade da pessoa.

            Só quem se permite o ócio consegue viver bem e sentir assim. Ainda que essa observação só seja possível (para a maioria) quando observando as diferenças de quem tem o ócio como prática e de quem não tem a longo prazo.

A alegria no cinza



Tomo gosto pelas coisas estranhas:
pelo louco que acredita em duende
pelo outro que exalta o decadente
pelas narinas, pés, riscos, entranhas.

Admiro a ociosidade, o morango
que devoro e devora meus sentidos
os livros já não tão lidos
o som do experimental e do tango.

Me esquivo das normas, me distancio
daquilo que vejo cheio, quero vazio.
Nisso, também meus sentimentos
se vão, mas não meus intentos.

Como se o esquisito
fosse ficando bonito
com tons elegantes
de um cinza monótono.

Em poucas palavras
a falta de objetivo
tem sido um objetivo
alegre, risonho,
e fosse assim indispensável
para me considerar
vivo.

28 de setembro de 2017

Verbalizações


Uma cigarra grita, berra
querendo apontar: lá vem chuva.

Uma criança grita, berra
querendo apontar: quero aquilo.

Um adulto grita, berra
querendo apontar: sou deus.

Um anu branco grita, berra
querendo apontar: não acredite em superstições.

26 de setembro de 2017

1 2 3 4 5


Desperta, uma duas três quatro cinco
Banha-se, uma duas três quatro cinco
Escova os dentes, uma duas três quatro cinco
Alimenta-se, uma duas três quatro cinco
uma duas três quatro cinco, caminha
segue até seu templo em decadência

uma duas três quatro cinco, as vezes quatro

termina o expediente, uma duas três quatro cinco
retorna de carona, uma duas três quatro cinco
transa, uma duas três
escreve, uma duas três quatro cinco seis
faz o jantar, uma duas três
experimenta uma cerveja, uma duas,
vê algum filme, uma
morre no seu descansar, uma duas três quatro cinco

aos sábados e domingos, os números seguem
outras ordens

É o tempo



Olha que lindo o relógio
nem se preocupa
de ver o tempo passar

os ponteiros giram
parecem contentes
e riem da percepção

de quem acha
que está demorando
que está rápido

relógio
te re-elogio
és vida
para o 
necrológio

25 de setembro de 2017

Hipo teses



Um prédio
ou
um lego?

T
de tédio
ou
de tesão?

farei do
sentido
algo mais
que pura
razão?

Meu coração
tem rimas
tem ímãs
para
a solidão
ou
obras
primas
prismas

em que tudo é
ângulo,
isósceles?

ou dos outros
sou escaleno
diga-me leitor
que está lendo

sou

lado e ângulo diferente
de toda essa gente?

22 de setembro de 2017

Do contrário, estaria errado


Minha insatisfação é com o azul do céu
com o verde da natureza,
gosto do cinza, do tom ranzinza,
e da ironia dos meus versos.

Minha insatisfação é com os olhos
com o som do bem-te-vi,
gosto do som dos carros
e da rodovia,
e da contradição das estrofes diárias. 


15 de setembro de 2017

Monólogo dialogado acerca da cerca que nos cerca há cerca de toda existência


Verbos crescem no quintal
(a clorofila intraverbal dos pensamentos)
ecos reproduzem o loop dos carros passando
(a coisa toda, a avenida e seus lamentos)
o céu está com um azul acinzentado
(na rodovia só mais um acidentado)
as árvores parecem sem vida
(há alguém aí?)
os postes brilham mais que as estrelas
(solidão, solidão),
e as placas anunciam momentos felizes
(solidão, solidão).

Silêncios dormem na sala
(no quarto, gemidos abafados)
as bibliotecas estão lotadas de poeira
(um motoqueiro acelera, não sei se a moto acompanha a própria estupidez)
corpos se negam aos prazeres e esperam o céu
(deus e suas ideias estranhas)
e continuam esperando o céu
(oh, seres bizarros)
esperam ainda
(grilos e dois mil anos).

Nossa Sociedade, o caos mais organizado possível
(diga isso aos andarilhos)
Robôs são feitos para recriarem a escravidão
(o pobre paga a conta)
meritocracia é esmola verbal
(um ser no chão, pessoas passando, não é nada não)
e a Sociedade ignora sua própria ignorância
(felizes, como o Bob esponja, ao trabalho)
mais que isso, não nota os equívocos desse meio de viver
(ter mais, ser menos)
no noticiário o televisor indica que Lula é ladrão, agora o Temer
(oras, não veem que não sãos as pessoas, mas sim o capitalismo selvagem?)
depois querem me dizer que o ser humano é sociável
(perante formigas e plantas, somos escória).

Dizem por aí, "é utopia"
(utopia é acreditar que assim está bom)
desprezam o cooperativismo
(trabalho, promoção, diploma, cigarro, carreira, coerção)
desprezam o próprio potencial
(perdoe-me os versos longos)


A vida em si já é uma utopia. 




B. F. Skinner - Walden Two, uma sociedade do futuro
Poesia escrita pós-leitura do livro em questão.

ditadura da sonoplastia



Palavra pra quem escreve
é capim dado pra boi
se cheio, de nada serve,
se calado, o que é que foi?

Palavra pra quem espera
é coisa que cura.
Palavra. Quem me dera
não fosse loucura

estar cheio de sons. 


9 de setembro de 2017

Democraticamente despótico


Democracia
é despotismo
revestido
de poesia.

Liberdade
não existe
é só mais um
deus da modernidade.

O ganho de X
a queda de Y
e segue a moda
de inventar motivos
para continuarmos
com esse desastre.

Trampo


Entro num prédio comercial
pessoas trajando ultrajes
trajes caros e refinados
intocáveis, roupas passadas.

Um rapaz marcou horário
quer comprar um notebook
(como sempre, por ser rico
pede desconto no valor).

Antes de encontrá-lo, a guria
da recepção me pede o RG
olho com uma cara de "sério?"
ela espera pacientemente, digo.

Meu nome agora é Elton, segundo
consta na máquina dela.
Repito. Ela me encontra no cadastro
não sei como, mas meu nome está lá.

Pede endereço, pede para tirar uma foto
pediu até o número do meu celular
mas não era para um jantar, era
para digitar velozmente no seu PC.

Ela me autoriza, me dá um crachá,
passo numa central de acesso
que permite e confirma meus dados.
Sou um número ali, vários números.

Tomo o elevador, com indelicadeza
pés 43 adentram o segundo andar.
Pergunto na segunda recepção
se deixaram avisado sobre meu ser.

Negam. Sorriem. Ligam.
"O organismo está vindo, espere por favor".
Falsamente, batem papo e gargalham entre si.
Espero.

O sujeito chega, aperto de mãos.
Pergunta. Respondo. Pergunta. Enrolo.
Verifica. Enrolo. Compra. Vendo.
Pede endereço. Passo.
Some. Desapareço.

A vida toda dessa gente
é um enorme vazio,
daqueles que fazem o tédio
parecer maravilhoso.

Se em vinte minutos no local
meu sangue ferveu com tamanha monotonia
quem dirá ficar um dia no ninho
dos coveiros do tempo.

Essa poesia é quase um documentário minucioso?
É, talvez.
Porém, é antes, uma forma de passar a noite
sem me preocupar com o que escrevo.

6 de setembro de 2017

A Feliz Decadência II



Tanta coisa
estúpida
por aí,

tipo os carros
as roupas em excesso
as armaduras das maquiagens

tudo sempre parece uma guerra
talvez tenha sangue
para nós rirmos um pouco da desgraça alheia

e tem robôs construindo camaros
carros altamente modernos
mas não tem asfalto no meu país

aqui teve copa
meus antigos amigos aplaudiram de pé
aqui teve impeachment
talvez tenha outro,
tem gente precisando de notícia
pra desviar a atenção que está no corrupto.

Aí vem sujeito
dizendo que a corrupção são os pequenos atos do dia
como se justificasse a podridão do congresso
só pelo povo não ser da cópia o inverso?

a polícia estava batendo
na guria andarilha que entrou na farmácia
e roubou o remédio que precisava de RG
para levar de graça.
Se pre-ocupar com isso, bobagem!

Sei lá, tem horas que dá um desespero.
Ai me falam de trabalho. Trabalhar para viver o futuro.
Que futuro? Nem sei o que significa aposentadoria.
Escuto sem parar que "é assim mesmo"
isso,
e vamos deixar tudo a esmo
abrir um sorriso
fingir que estamos no paraíso
enquanto bombas caem no oriente médio
no estudante do ensino médio
sem perspectiva

Viva! Férias chegando
lá vem a morte se aproximando
enquanto o álcool se torna refúgio
enquanto as drogas viram passatempo social
enquanto os religiosos se aproveitam da ignorância
para atrair ovelhas.

Tanta coisa estúpida por aí,
e tanta coisa
tanta
que até cansa
meu poema
tamanha descrição.

Se não está te incomodando
sinal que está acomodando.

Sorria.
 

5 de setembro de 2017

A feliz decadência



O sorriso
no rosto
da massa

é o mais angustiante
sintoma
da tristeza universal


1 de setembro de 2017

Eu?



Aquele eu
o do social
permanece
sem sal?

Aquele eu
o da poesia
enlouquece
se silencia?

Aquele eu
o da solidão
só sabe ser
na escuridão?

Aquele eu
o polêmico
faz das críticas
verbo endêmico?

Aquele eu
egoísta
tem mais o que
em vista?

Aqueles eus
os que dizem
existir,
onde encontro?

De eu, um só
uma única corda
diverso o nó.
Outro eu, discorda.