30 de dezembro de 2017

De sempre




Há quem me diga
que as coisas quando o ano mude
mudarão também.

Se já começa com fogos de artifícios
e sorrisos artificiais, o que esperas?

Bem, escuto, por vezes, que sou pessimista
sou é otimista até demais.
Juro que as coisas ficarão na mesma.
Alguém mais otimista que eu?

29 de dezembro de 2017

O Grande Circo


Ele se move, sutileza inolvidável


"Que queres que eu diga?
Resultará igual, não?
Então, melhor silenciar, que pensas?
Escutar um jazz enquanto o diabo dança?
Observar o mundo desabando e rir?
Chorar? Não, que isso é besteira, concordas?
Te digo, vamos calar; de acordo?

E em silêncio, um baile de horrores?
Respeitável público. Senhoras e Senhores ...
Bêbados e sóbrios hostis.


Que querem que eu diga? "
 
 

28 de dezembro de 2017

Reloj, ajedrez y nadie



Café, chá, café.
Enclausurado.
Depois de certo tempo, se toma gosto.
Se sente confortável.
Por vezes, até ousa encarar o Sol.
Para convencê-lo de deixar o posto para a Lua.

Café, chá, café.
Exercício.
O relógio.
Um livro de xadrez.
Um livro de Borges.
Um livro de Skinner.

Uma partida, blitz, cinco minutos.
O adversário me vence.
Revanche.
Se ganha fácil na segunda.
Quando se conhece as variáveis.

Café, café, café, chá.
Um descanso longo de quinze minutos.
Me sinto completo.

Admiro, as vezes, a mediocridade do existir.

Quanto menos esforço faço, mais as coisas vão acontecendo.
Não sou de bancar o herói. Nunca fui.
Deixo-me isolar por uns instantes.
Seja no xadrez, seja nas estantes.
Seja no depois, no agora, no antes.

Viver assim, sem muitas surpresas, talvez
a melhor solução.

Pra quê mesmo uma vida de altos e baixos?
Pra quê mesmo uma vida cheia de emoções?
Os aplausos, as vaias. Pra quê?

O básico.
O arroz e o feijão.
O simples.

Café, café, café. Xeque-mate.

27 de dezembro de 2017

26 de dezembro de 2017

Sagradas escrituras do cotidiano



Se escrevo é por incômodo
por me irritar com o trivial
por não ter melhor modo
de ser assim, tão coloquial

rasgar o verbo sem ter pra quem
ou pra qual; por puro desaforo!
cuspir na oração e dizer amém
depois de comer merda, cagar ouro.

Perdoem minhas expressões
são apenas versos baratos
não sou de fazer saudações
para diabos ou beatos.

Se escrevo é por insônia
e não, não farei parcimônia
farei é trovão
trova de solidão.

Se escrevo é por descaso
que o verso faz
é pelo ócio e descanso
que o verso traz

 

24 de dezembro de 2017

Falação (Xylella) fastidiosa



Um show na rua
gaita, tambor, violão e voz (e boina)
era um cara só
uma roupa qualquer
e ainda tinha tempo de parecer
o Che Guevara,
mas estava cantando em inglês

tocando gaita e fumando
tudo ao mesmo tempo
as vezes até conseguia respirar

uma senhora passou do meu lado
apreciando o show, e disse aos sussurros
"podia tá trabalhando, moço forte"
desse tipo de comentário, a rua não precisa
nem o rapaz, nem o ouvinte, nem a senhora que disse.

Mas fiquei pensando na vida dela
mas fiquei pensando nas variáveis
até, depois de algum tempo, voltar-me
para o comportamento verbal dela de depreciar;

fiquei triste, o mundo é meio sombrio
quase sempre é assim; quase; nem sempre.

E eu querendo julgar.
Que culpa ela tem de ser condicionada a emitir
relâmpagos e pragas?
E eu querendo me julgar por querer julgar.
Que culpa eu tenho de ser condicionado a emitir
meus relampejos de tempos em tempos?

Que culpa alguém tem de censurar com ódio o ódio alheio?

O show foi bonito.
A gaita soprou prazeres.
E o rapaz ganhou o pão do dia a dia.

Se não fosse dezembro
até manteiga ele comprava.
O preço sempre sobe em fim de ano.
Parece que o mundo vai acabar.

Até - o cúmulo - a cerveja encarece.

Só sei que ninguém vai se embriagar com gasolina;
como diz uma amiga aí, 
é Cantina da Serra, tá de bom tamanho
quatro litros e seiscentas ml
 
 

festividades



ano novo; natal;
amigo secreto
inimigo indiscreto

23 de dezembro de 2017

Escuridão gramatical



a falta de critério
na seleção das palavras
me incomoda;

o uso criterioso
só pra parecer mais culto
me incomoda;

se você for profundo
por favor, não leia poesia,
ficarás procurando
significados e referências

em amontoados
de lamentos.

(O pior é que acharás).
 

22 de dezembro de 2017

pontes



Tudo em mim
é destrutivo
não por querer morrer
mas
por querer estar

vivo.

21 de dezembro de 2017

Ao moço



Alvoroço
achar carne
onde só osso

Belle Époque

 
 
A ausência, ainda machuca
não aprendi a viver sem
não aprendi a viver
não aprendi a
não aprendi
não...



18 de dezembro de 2017

Diminuir-se IV



Tudo friamente calculado
a mínima vírgula, o acento;

faz vento,
fica tudo; esparramado.

17 de dezembro de 2017

menino



...  vão gritar
"Justiça, justiça!"

Poucos olharão
as variáveis
que fizeram
do vilão, vilão.

15 de dezembro de 2017

Companheiros e companheiras



Meus amigos tem prosas
memoráveis; reflexões
estupendas, dignas de nota.

O que mais vale são as dúvidas
que arrastam minhas grotescas
convicções e verdades absolutas

Levam-nas para o deserto
matam-nas de sede; acabo
por fim, cedendo ao pensar


sedento ao pensar.


13 de dezembro de 2017

Oração XXI



A oração começa:

bolsa de valores sobe
dei aos esmolados o que sobre
ouro, prata, para os ricos
cobre para os pobres
cobre os pobres

igreja
estado
bancos

sente-se, meu bem;
vamos falar de juros
vamos falar de muros
vamos falar de urros
de quem tem fome.

A oração termina:

abençoada a crise
a melhor invenção
do século XXI.

 

6 de dezembro de 2017

Crônica e poesia aos desinteressados

Crônica:

Os olhos - semiabertos - destacavam o efeito da rotina. Traços na testa anunciavam as variáveis. A respiração - o ar pesado - evidenciava a paciência, mas não a calmaria (inexistente) do cotidiano. A boca - para ser mais específico - os lábios, sequíssimos; escassos em volume, cor e natureza, gritavam a todos que se atentavam que a sede, faz muito, não mais existia.
Isso para não comentar das mãos. Enrugadas, com curvas sem igual, calos sofridos mas que certamente não causavam qualquer dor. A dor perde qualidade e significado quando é hábito, quando é condição.
O corpo não conhecia o que, ao menos aqui na esfera poética, se chama de prazer. Essa palavra não deve existir no dicionário daquelas marcas. Pelo uniforme, deve ter um cargo qualquer, em empresa terceirizada, talvez de serviço de limpeza, considerando as botas usadas.
Ela desce do ônibus, passos vagarosos, muito por conta da idade. "Pessoa miúda", penso.
Minutos depois encaro, sem a mínima pretensão ou objetivo, outras pessoas. Fico apreensivo. Os olhos daquela senhora ainda estão no transporte coletivo. Encaro a todos, inclusive o chofer. Todos tem os mesmos olhos.
As mãos, as testas, a respiração; pareciam todos iguais. Como um único organismo sonolento, se é que podemos denominar de organismo, porque isso pressupõe que se tenha vida. Ali não vejo vida.
Algo que me conforta. Miro a rua, reconhecível, finalmente. Meu ponto é na parada seguinte. Ali no solo, no chão da calçada, sinto a vida do cimento esquentar meus passos. Sinto o Sol, vivo, a queimar-me. Sinto as nuvens, chorosas.


Poesia:

Sinto muito por pouco sentir perante os demais.
Sinto, quando muitos ao meu redor, sinto solidão.
Sinto, quando nos olhos alheios, a expectativa que do outro lado, o ouvinte seja um humano.
Sinto, vago e vagarosamente, um desespero crescente
Sinto o caos beijando-me a testa, abraçando-me
Sinto a ordem se encontrar nos meus comportamentos
Sinto-me inconformado com os zumbis em seus aparelhos
Sinto-me.
Sento-me.
Santo-me.
Diabo-me.
Humano-me.

E tomo um café para nada mais sentir.
Faço-me café. Nada mais.

Haicaos I e II

Tudo em paz.
Tirando o porém
o todavia, o mas.

 No entanto
vivo e com chuva
nu em pranto.

3 de dezembro de 2017

Caverna de sentimentos



A lua - vagarosamente - domina os olhos
cheia, enche também quem admira,
quem mira fundo e mira se perder - vagarosamente.

Mas no céu tem nuvens
e são cinzentas; como a segunda-feira
que vem enevoar-nos.

Os carros aceleram - vorazmente - motos devoram silêncio
com o escapamento; não escapa nem lamento.
Anunciam que não existem noites ao homens.

A lua - novamente - domina os olhos;
uma cerveja, duas cervejas, turvo movimento.
Uivo sua ausência: ecoa em mim, caverna de sentimentos.

1 de dezembro de 2017

Diminuir-se III



Originalidade:

distorcer tão bem
o verso alheio
que ninguém o identifique

28 de novembro de 2017

"Sentilamento"


sentir:
as vezes, é preciso
as vezes, impreciso

as vezes,
é só dor do siso;

sentir;
só me sinto omisso
a tudo isso

sentir
como outros sentem;
eu, sinto muito
que meus sentimentos
se ausentem

sentir;
sentimento tenho
sentir;
disso, me abstenho.



(usar blusa de frio
quando o vento é congelante
não nos adapta ao frio;
nos acomoda).

O constante



A falácia do espantalho
perambula entre paredes;
morre no meu paladar

27 de novembro de 2017

Sem Cerimônia II



22h37;
um membro da família morre
o toque do telefone é sempre fúnebre
mas dessa vez anuncia: "ele morreu".

O cômico é o egoísmo dos vivos sobre a morte alheia.
Todo mundo muda. Se sensibiliza com o partir dessa para nenhuma mais.
Todos choram.
Em vida, o sujeito não recebia sorrisos.
Era só mais um.
Era só um vivo.

Até que ponto a sensibilidade ao ouvir sobre a morte de um membro da família
é sensibilidade para o morto?
tenho pensado o contrário; é mera questão de se sensibilizar
para não chegar na cerimônia fúnebre sem olhos encharcados.
É egoísmo velado velando o sujeito, velando o tempo e as possibilidades esvaídas.

Ir a um enterro sem o choro e a sensibilidade
é chegar em festa sem presente para o aniversariante.
Ir a um enterro é desenterrar os sentimentos
não por conta da morte; mas por conta dos que ali estão
enaltecendo os familiares mais próximos
(que em vida tendem a ser as pessoas mais distantes do morto).

Não me tira a ideia
que enterro é só um momento
para a família saber quais são
os vivos
e os próximos
candidatos à decomposição.

Mas ninguém nota
que são os vivos 
que se decompõem?

Aos mortos, nada cabe.
Não há fim. O morto não sabe que morreu.
Não há no morto qualquer comportamento.
Não há no morto qualquer variabilidade.
Não há no morto quaisquer sensações.

O vazio da morte cabe aos vivos.
A extinção dos comportamentos de um morto
é motivo para o vivo refletir sobre os próprios comportamentos.

E viver mais para si; menos para o caixão.

Todavia. Como toda cerimônia,
a morte e as festividades que a cercam
quase anulam essa reflexões;
servem apenas para manter a tradição.

A morte acaba por ser um mero modismo.
A morte acaba por ser uma convenção.
A morte acaba por ser uma tradição dos mortos-vivos.


26 de novembro de 2017

Poesia de telejornais



Controle remoto da TV
é na verdade, controle imediato;
remoto é o sujeito que a assiste
remoto do controle da própria vida.

25 de novembro de 2017

Sem cerimônia



Do mundo, grande parte
mera cerimônia;

a família dita tradicional, dita cerimônia;
o ensino sem métodos, cerimônia;
afirmar liberdade, cerimônia dupla;
chamar médico analfabeto de doutor, cerimônia;
viver em função de aposentadoria, cerimônia;
a polícia, é cerimônia e coerção;
a igreja, idem.

Gritar com criança berrante, cerimônia;
dizer "uma palmada resolve", cerimônia;
o "bom dia, tudo bem", seguido de pedido ou isolamento, cerimônia.

Continuar essa poesia, cerimônia.

Definição



Gente doida:
gente que nasce
pra ser normal

22 de novembro de 2017

poesia meio espremida

Espremo a laranja
olho o relógio;
espremo a laranja
reflito:
o tempo me espreme

tomo o suco
o tempo
me toma

ávido;

Diminuir-se II


Ostra
é bela
pela toxina
não pela
pérola;

Tartaruga
bela é
pela ruga
que leva
no pé
e por enrugar
o tempo
no passo seguinte
 

Diminuir-se


Tudo estava tão nublado
menos o céu

20 de novembro de 2017

Autêntico


Quanto do meu comportamento
¿é comportamento alheio?
¿tudo, quase tudo, meio?

variações inconstantes do de sempre
inebriadas repetições do mesmo
como ¿loop no rio de Heráclito?

aliás; liberdade é só termo fajuto
para aquilo que ninguém dá atenção
que são as causas e consequências da ação.

sobre meu comportar-se
comporta no meu ato
do ambiente a catarse.

tudo é determinado;
se chove, chovo,
se tem água, nado.

mas nada é fatalismo
isso é diferente, Che; 
é teleológico; ilógico.

voltando; ¿quanto do meu eu
encerra no meu, o que é seu?
se há o bom, sou com ele
se há o mau, sou com ele
mas não sou como eles.

Lavar as mãos para o que acontece
não faz o que ocorre, deixar de ocorrer.
Apenas tampa a visão do que já cego é.

Aí vão dizer de liberdade, do caralho a quatro,
e vão te consumir, te desgastar, com a ignorância do não querer saber.

Se morro, meu comportamento vive
no ambiente em que vivi;
se vivo e em vida, morro constante
sou inútil, sou miséria, sou bigato,
e não mereço o solo em que piso.

Se somos nossos comportamentos
ao menos assim, respiramos em paz
copiando de maneira autêntica
o que aprendemos; o que lemos; o que até mesmo, comemos.

Amém.

Acto


se
       tudo quanto possível
impossível for

cacto não poderia
ter mais bela
flor

Diminuir-se-possível



o mundo estava meio
olhei para o semáforo
estava amarelo;

o mundo estava; leio
um livro do Skinner
estava radiante;

o mundo; veio
aos meus olhos
¿sou mundo também?

o; velho
ao meu lado
sou eu amanhã

;

¿?

16 de novembro de 2017

Haicai meio pêssego



Antes o azedo, amargo;
estando doce
um passo para a podridão.

Ditando



Antes pensar na morte que ela em mim

Crônica I - "De toda forma, prossigamos"



Nem sei bem, caro leitor, se o que escrevo é o que ocorre; mas escrevo esse emaranhado de cotidiano de uma guria qualquer.

Ela desperta, as cinco da manhã. Tem família - como qualquer outra - talvez uma filha pequena que vai para o colégio, logo cedo, zumbizinha; talvez um marido que apressadamente luta pelo pão do dia seguinte, e não tem tempo nem para tomar o café da manhã do próprio dia. Tem família - como qualquer outra que não se anda tendo hoje em dia; e isso não é algo ruim, devido as circunstâncias do meu escrever.

De toda forma, prossigamos. As cinco, desperta: arruma a mesa, arruma a casa, arruma a roupa de todos, arruma o almoço, arruma as camas, arruma, arruma; são seis horas. Toma o ônibus; o ônus do povo; o bônus é estar cheio.

Chega no seu trabalho, ou por melhor dizer, o trabalho a ela chega. Uma pequena fila, antes mesmo das sete horas, a lhe ofuscar o pensamento. Zumbizinhos. Mas tampouco eles tem culpa de ali estarem; estiveram apressados pela madrugada-manhã, não possuem pais que lhes façam o café (sim, leitor, possuem mãos para fazê-los), apressam-se para sair de casa, e como a burguesia, além de pressa, tem money, não se preocupam em comer em suas residências: tomam o café da manhã nos quinze minutos antecedentes as aulas; afogam-se em salgados, pães e, principalmente, na amargura esplêndida do café. Sim, o Café. O motivo da fila; o motivo do despertar as cinco da guria que estamos comentando; o motivo dos atrasos em sala; o motivo de diálogos fervorosos entre adolescentes e suas besteiras filosóficas; o único item que se pode comprar - o copo, claro - com uma nota de dois reais, antes da manhã chegar.

Ela chega a sua servidão; apronta-se: põe vestimenta, põe sapato específico, põe toca de cabelo; põe seu corpo em hibernação; e ativa o sistema de trabalho.

Aí daqueles que não conhecem o sistema de trabalho. O magnífico sistema de trabalho acoplado ao corpo de todo ser humano que precise escravo ser. Ela o ativa. Seus sentidos somem; os robôs sentem inveja da mecânica dos seus movimentos; e ela se locomove, com os olhos entreabertos, como se nada estivesse acontecendo, como se ela não tivesse que passar as próximas dez horas em pé, servindo ignóbeis alunos e professores de faculdade - além de visitantes curiosos - servindo sua própria cova, se entorpecendo com o cheiro de cafeína e açúcar; além da canela (e o som das abelhas, por consequência), as vezes.

Tudo isso, meu caro leitor, minha cara leitora, minha outra face. Tudo isso, para chegar no início do mês seguinte e receber seus míseros mil reais; o suficiente para comprar 500 copos de café que o local em que trabalha vende.

Ela abre a loja, e as pessoas da fila dizem, como se estivessem em uma Assembleia, como se estivessem numa Doutrina Esquizofrênica, ou como chamam por aí, nas Igrejas. Dizem: "Aleluia".

E pensam vocês que ao ouvir essa exclamação a guria em questão se incomoda? Não. Ela diz "bom dia", ela recebe "bom dia". Ela está com o Sistema de Trabalho ativado. Não tem sensações. Ali não habita um ser humano nas próximas dez horas (ou mais, quem sabe).

Ela termina o expediente na loja, já sem pessoas na fila, e diz, como se estivesse em uma Assembleia, como se estivesse numa Doutrina Esquizofrênica, ou como chamam por aí, nas Igrejas. Diz: "Aleluia".

O engraçado é que com certa frequência ela não mais usa o Sistema de Trabalho. Ela é o trabalho. As pessoas a olham, sempre sem qualquer expressão ou humor, e comentam: "olha, é a moça da cafeteria, o que ela faz aqui?". Claro, ela não pode estar ali, ela é o trabalho. Operários não vão ao mercado. Operários não tomam cerveja. Operários não dormem. Operários são seus trabalhos, são suas funções. Mas, interrompendo nossos delírios filosóficos, voltemos a crônica.

Ela desperta, as cinco da manhã. Tem família - como qualquer outra - talvez uma filha pequena que vai para o colégio, logo cedo, zumbizinha; talvez um marido que apressadamente luta pelo pão do dia seguinte, e não tem tempo nem para tomar o café da manhã do próprio dia. Tem família - como qualquer outra que não se anda tendo hoje em dia; e isso não é algo ruim, devido as circunstâncias do meu escrever.

O leitor pode estar se perguntando: oras, mas vais repetir a crônica?

E, ao acaso estou eu repetindo algo? Tomai conhecimento que, da minha parte, não repito nada. Estou descrevendo, minuciosamente, o amanhã da guria em questão. Mas, se não consideram necessário, me calo, me calo.


15 de novembro de 2017

Muito obrigado I



O "muito obrigado" tem valor egoísta
ou não tem valor algum.

Numa loja de fast food qualquer, digo boa noite,
como quem nada diz;
digo, por favor, como quem nada sente;
digo, muito obrigado, olhando nos olhos,
sem esperar o menor sinal de vida
apenas um - de nada, fique a vontade.

Vontade.

Numa loja de fast food, o desejo
é imediato.

10 de novembro de 2017

museu dos meus p (r ) o (bl) emas


"te olho, sei que por instinto
me olha, tem algo ali!
Selvagem, gigante tu, guria,
tuas minuciosidades e detalhes
teus lábios,
faz crescer
a intenção
e a tensão
o tesão
a atenção

no segredo dos teus olhos,
como aquele filme do Darín,
devoro-te, devoto-te, decoto-te, decoro-te, coro-te;
devoro-te!"

9 de novembro de 2017

Quinta feira-di-versá



poesia
de
pendência

pingo d'água
lembra verso
nuvem passa
lembra verso
a Paula falando de reforçamento e frequência
com jeitinho francês de ser
lembra verso.

ex
cedo
na tarde da madruga
o que se deve pensar
e não dorme o organismo.

lá fora, coqueiros
se reconfortam ao vento
mexem, mexem, mexem

Lembra verso.
Mas não tem floresta
só coqueiros.

Ainda lembra verso,
mexem, mexem, mexem.

7 de novembro de 2017

Introdução ao contexto



deixai o enigma do entendimento para os que leem
os escritores só rabiscam e deturpam versos
não são coerentes, nem querem assim; a maestria
das frases de efeito que o diga, o verbo arremessado
cante aqui o que tendo dizer.

deixai os sonetos e a contagem de sílabas para gramáticos
os que inventam ordem no caos;
os escritores são dementes, clementes por imediatez
ficam a brincar com algo tão seco de vida.

deixai os questionamentos para os epistemólogos,
as análises de conflitos internos inventados para os psicanalistas
as lamúrias para o funcionário público,
as dores da profissão para os docentes doces inocentes,
a poesia é, somente e para, controle.

Sim! Pensais, tolo, que as estrofes não são para controlar,
desviar opiniões, convencer-lhes?
Que o objetivo tem o escritor que não o de manipular
suaves olhares? Para que os efeitos, feitos e enfeites?

Enquanto comentam a política, enquanto discutem o clima,
enquanto analisam variáveis, enquanto sustentam hipóteses,
enquanto defecam, dormem, riem, choram, sufocam, falam;
lá está o escritor! Lá está, a lhes observar, dominar, dando-te forma,
manejando com controlada aleatoriedade as palavras que fincarão
a estaca versada no teu comportamento.

E se perguntarão o significado daquele poema...

6 de novembro de 2017

5 de novembro de 2017

clichê che




Alguns amigos meus
acreditam em deus

Outros, acreditem,





creem na democracia

gargalhadas.

4 de novembro de 2017

Verte desde afuera (o algo así)



sensação estranha
parece tudo tão bem
mesmo com as pessoas
mesmo com as palavras
desabando,

indiferença, talvez;

tô numa condição de ócio
com tanta tarefa pra fazê
e fico cá, escrevinhando
caminhando versos
pisando rimas e cerveja
comendo rúcula, tomate-cereja.

sensação estranha
deve ser a paciência e o silêncio
alimentada pelo xadrez
 ...
foda é que em toda guerra
tem quem ignore a bandeira de paz

foda é que para os outros
é difícil compreender a indiferença
com o mercado de peixes
...

sensación rara;
es lo que peor llevo
la sensación de estar fuera
de lugar.
Como si estuviera
dentro de un video juego
...

3 de novembro de 2017

meta -linguagem





preciso é
reinventar a roda
todos os dias
pra não morrer
          

                                       quadrado
                         quadrado              quadrado
                         quadrado              quadrado
                         quadrado              quadrado
                                       quadrado


tô, mate!



Tô mate hoje
meio xeque-mate
meio sem crédito
com o bispo
com a rainha
com o rei

tô, mate
daqueles cereja
pequeno
que tem sabor
de terra
feito por peão

tô mate
mais pra chimarrão
que pra café
coisa do clima né
interior de são paulo quando tem nuvem
é pó pra todo lado

ficar o tempo todo na defensiva
pra proteger um reinado que não é meu?
tô, mate, tô, com preguiça de xeque-mate
com preguiça de cozinhar.

29 de outubro de 2017

versos de esperança pela ausência de motivos (I)


lá na frente
não há motivos
acredite,
só há desesperança

a cabeça não esquente
só estamos vivos
acredite,
pra fazer lambança

nem a morte
motivos tem
faz por diversão

pra nossa sorte
sabemos bem
que viveremos em vão.

vodka


vodka
meia caneca
cueca no chão
uns artigos para ler que agora não serão lidos
vou devorar
pedaços de alguém
calcinha no chão
vi um fantasma na piscina, vi no sétimo andar
não olhei de novo, por receio de que ainda estivesse lá
ou por receio, de que fosse um humano.

vodka
goles dela
goles de mim
goles do meu rim
goles de escuridão
e de biologia.

vodka
o cansaço
é de aço
meu corpo é de ninguém
sabe se lá se é meu

da vodka todo mundo
bebe um pouco
pra espantar o vazio
de estar cercado
de embriaguez dos norm    ais

onde está sua roupa, rapaz?
"onde está sua vida, sua paz"?


28 de outubro de 2017

Chess


um movimento
xeque, diz.

um só momento
ser feliz.

vi nesse tabuleiro
peão enfrentar rei

ainda que só um
unzinho, minúsculo

e os outros trabalhavam
pra defender
"as peças mais valiosas"

peça mesmo
é o que a vida prega
quando em xeque
arregar, ninguém nega.
 


27 de outubro de 2017

dia de outubro do passado



Ela sorri, como se não fizesse sentido o que acabará de escutar.
Sorri de maneira vazia, sorri com o vazio, sorri com tranquilidade.
Seu sorriso é bonito, não é falso, mas é falsidade.
Até a respiração que tem é pura falsidade, inadmissível.
Mas continua sorrindo: se fosse meu sorriso, já estava cinza.
Não é, então ela sorri.
E sorri por não ter entendido. Não a frase. A vida.
Seu sorriso é puerilidade, é nonsense. É apenas um sorriso.
E não pode ser, não se pode ser.
Um sorriso tem que ser mais que o ato de sorrir.
Voltemos ao fato: ela sorri.
Quem lê esse poema se pergunta incrédulo: Como?
É meu caro leitor, minha cara leitora, ela simplesmente sorri.
E a televisão está ligada, nove mortes.
E o celular a todo momento lhe dispara mensagens para sorrir.  
Ela só sorri.

Desse poema, ela não sorri
provável que nunca existiu
naquele rosto que é sorriso

talvez eu veja sorriso
onde só existe antidepressivo
e eu acho que aquilo
é estar vivo

enquanto habilmente
não sei se com sabedoria da própria ignorância
não sei se com ótima perspicácia de que sorrir convence mais que argumento
mas ela sorri.

25 de outubro de 2017

24 de outubro de 2017

necessário desnecessário


essa necessidade
de ter necessidade
a qualquer custo
muito me custa
muito me assusta

essa sensação
desnecessária
de se sentir fútil
de maneira
sutil

essa desnecessidade
é o que temos
de fingir sempre ser
o que não podemos?

ponto de interrogação
enquanto declamo
e derramo afirmação

a poesia me custa
e em verbo
me encurta
enquanto faço
são paulo
caber
em viterbo

23 de outubro de 2017

Skylab na madrugada enquanto a insônia surge



lendo Skylab
enquanto o mundo se explode
lendo quem sabe
que tudo se fode, pode, acode

parece escritor meia boca
e é
Mas é também meio olho
e meio verdade de molho
enquanto me toma
o café
 

22 de outubro de 2017

haicai no trono







eu estava no banheiro
fazendo menos cagada
do que fora dele

margina só

i
margina só
se pobre
tem onde cair vivo.

Margina só
pelas avenidas
vidas sofridas
até sem solidão
porque a solidão
a ele
é indiferente

até a ponte
tem concorrência
viver na ponte
é ter decência
onde morar

pobre mesmo
é
pobre a esmo

cansado
de vaguear

esmola?
tem pé na sola?
do chinelo
vou dar esmola
pra quem tá na rua
tocando violoncelo

"homem forte
podia tá trabalhando"
comenta o homem
do seu carro
no ar condicionado

enquanto o sol lá fora
o homem forte
devora
ou é o homem que devora o sol?

vão ler drummond
onde
o sol
do homem
se esconde.

Crônica



Só acha crônica engraçada
quem não entendeu nada
crônica é fruto de desgraça
é história de bebum de praça

Crônica nunca é cômica
tá mais para diabo sorrindo
problema do inferno surgindo
uma dor de dente tônica

crônica é crônico problema
loop de aflição cultural
cerveja com gosto de sal
reflexão sobre o mesmo dilema

cronista é fingidor
pior que poeta, se quer saber,
e só por isso, mas só por isso
é que vale a pena ler.

18 de outubro de 2017

Dosagem



Toda prática se mantêm
como condição de conforto.
A inovação também é mesmice.
Sempre querendo inovar, não?

Tudo é produção.
A escolha das palavras
é a superfície do convencimento.
A felicidade também é ideologia
a tristeza, condição para mudança.

A dosagem é a questão.
O controlar-se é a ironia da vida.

Ver sentido em tudo, é sufoco,
certamente, a decência de afirmar
a inutilidade do prosseguir
é condição de conforto com o desconfortar-se.

A dosagem é a questão?

14 de outubro de 2017

Água para peixe



Escrever
não é criar
é morrer

Ler
não é conhecer
é desaprender

Na rua
galhos
secos olhares

escrever
é reinventar
confusão

10 de outubro de 2017

desabafo mesquinho e a febre

febre
daquelas de matar a morte
daquelas de matar defunto
daquelas de rezar

não mais
febre é desgraça para os outros

até o vírus
se contorceu de dó


dipirona, água
"tem que se hidratar"
mas eu só era água em ebulição,
daí a febre.

que merda sou no mundo
que adubo de verme!

mas eu comi rúcula
e comi minha estupidez
agulha no meu corpo
puta que pariu
o que fizeram comigo?

em uma hora eu era deus
na outra eu era
e na outra eu quase não era
mas não morri

ou morri
e continuar vivendo
é o inferno
é pra pagar meus pecados

que pecados?

deus nem existe
Nietzsche o matou
por isso Nietzsche morreu de febre?

mas tá bom
cá estou escrevendo poesia
seguindo minha vida cheia
de coisa vazia,

agora sim o mundo vai ver o que é empenho!
ninguém nunca vai conseguir assistir tanto desenho!

antes que me esqueça
fui na UPA, na treze de maio
eu era cor verde, baixa relevância
até deus era mais provável
que ser atendido.

fui na UNAERP também
puta que pariu
não me atenderam, era fim de semana
disseram que só tenho direito a ficar mal
de segunda a sexta
mas é compreensível

sou muito insensível
com as coisas.

estou sendo mesquinho
eu sei
estou vivo


mas se fosse pelos médicos babacas...
depois querem inventar medicina alternativa
alternativa ao que? nem tem medicina
nessa cidade.

que poema longo
parei
eu devo ser só
um livro do Kafka
 

5 de outubro de 2017

Poesia do mato




Muito do que se diz postagem
é na verdade pastagem
pra gado e graduado comer

4 de outubro de 2017

no banco


Tanto ouviu dizer quem
tanto escutou o quando

ficou só, esperando.