24 de janeiro de 2018

CPFL




Entediados, na calçada de vossas casas,
impacientes, alguns ligam para a CPFL,
queda na eletricidade.

A parte de cima da rua tem luz, inveja na de baixo.

Meia hora. Alguns surtam. Não sabem conviver com o silêncio,
é o som dos televisores que os mantêm em pé.
Tento trocar prosa com o vizinho, só sabe dizer bobagem,
ecoo sim, não penso em discordar, exigiria muito.

Quarenta e cinco minutos, descubro a maravilha dos antigos.
O céu estrelado, sem postes a queimar os olhares.

Um segundo de felicidade.
A energia retorna, em um milésimo, todos correm para seus aposentos.

A rua vazia, novamente, indica a abstinência.

Entediado, retorno aos meus estudos.


22 de janeiro de 2018

Funcional



Nos percebemos obsoletos
quando não temos gana
de mudar nossos produtos
velhos.

Não estou a falar de apego
tampouco de adoração material
digo do cansaço de variar algo.

Uma geladeira velha
presta crédito a sua função, ainda.
Deixe-a onde está.

Deixe-a.
E não há bazar, liquidação, promoção, etc
que faça o sujeito mudar de opinião.

Deixe-o.
Um dia também entenderás
o dom que é a obsolescência.

16 de janeiro de 2018

Um só poema




Um poema direto, sem dupla interpretação
concreto, duro, denso, pesado, quase prédio.
Um poema insensível, sem o menor arrepio.

Um poema cidade, um poema metrópole,
um poema avenida, um poema rodoviária,
um poema sem frescuras versadas, sem
o mínimo interesse em agradar o público.

Um poema que não se submete ao bater das palmas.
Um poema que não se deixa levar pelas próprias palavras.
Um poema cru, com rugas e espinhas.
Um poema "oi, tudo bem?", que evapora sem resposta.

Um poema direto, como disse.
Um poema disposto em decreto.
Um poema que resolvesse poeta.

Um só poema.

14 de janeiro de 2018

Que pensar?



Sim, pensativo. Recusando, negando,
e, depois, cabisbaixo, relutando ao que sei fato.
Contrariando, defasando, a própria resolução;
talvez por conforto, talvez por reclusão.
O sei fato. O sei verídico. O sei em miúdos.

Que pensar? Não há nisso qualquer sobressalto,
é mais do mesmo remoído e re-ssentido.
É prova de fraqueza e de elementar bravura.

Um segundo. O suficiente.
Para que volte a ser poeira cósmica
todo eu e toda gente.

Para que volte e, voltando, seja fogueira,
para não cometer outra vez
a mesma ou outra besteira.

Ou fogo de palha,
retorna leve
e não se espalha.

9 de janeiro de 2018

Paredes brancas



Há algo nesse frio
que aquece;
lá fora, morrem
andarilhos congelados;
estou coberto
estou cercado de concreto;
estou cercado de concreto;
estou cercado de concreto;
estou cercado de concreto;

pessoas
cercadas de abstrato
gastam horrores
em roupas bonitas
em roupas feias de grife;
estão cercadas de abstrato
estão cercadas de abstrato.

Mundo abstrato
o concreto paira na pele
dos andarilhos congelados.

Não escrevo isso por dó
não escrevo por caridade
não escrevo por tristeza.

Escrevo pois estou cercado de concreto
e não tenho erguido muro algum.

Mas que tenho feito para derrubá-los?

Oh, amigo.
Sou pedra.
Não humano.

Na nossa civilização não há humanos
faz algum tempo.

Estamos todos a beira de um colapso.
Sabes qual?
O de continuar levando essa merda adiante.
 

6 de janeiro de 2018

Sobre felicidade





depende
de quantos telejornais
assiste por dia

Magreza



Madrugadas magras de sono
cheias de ócio a me alimentar
chuva não para, insônia segue
as gotas que escorrem no quintal.

Poesias envelhecem os pensamentos
antes pareciam tão joviais.
Sem prazo de validade, criativos.
Os versos vão deteriorando com as manhãs.

Madrugadas magras de sono
maldito café, maldita mania de escrever.
O relógio do meu avô tem barulho demais.
Faz tec-tec na imensa solidão da casa.

Segue firme, mesmo as pilhas sendo de quarenta anos atrás.

3 de janeiro de 2018

Sem som



Nem tudo aqui é prosa
as vezes é dente, unha
as vezes anônimo, alcunha
as vezes nada entrosa.

Nem tudo aqui é vida
maioria é natureza morta
as vezes não deixa saída
as vezes até deixa uma porta.

Nem tudo aqui é
tem gente que não vem sendo
as vezes até está de pé
mas nem vê o que está acontecendo.

Nem tudo aqui
as vezes lá
as vezes nem
as vezes há.



Diminuir-se V



de saco cheio
do que me é alheio

2 de janeiro de 2018

Meia-noite, meio-eu



Todos com seus celulares, celebrando o ano novo
(devem estar se divertindo tanto!)
O tempo nublado estraga parte do que chamam de festa
(nublado os pensamentos e as falsas amizades)
não há quase ninguém nas ruas
(ela está lotada de corpos ocos)
estou farto; e nem posso dizer que é de tanto comer
(farto dos felizes anos novos, das festividades).

Meia-noite.

Rojões. Poluição que não só sonora.
Poluição: assim como adicionam componentes no ecossistema
adiciono ao meu corpo doses de álcool; dessa vez
não por prazer, mas por receio de manter-me sóbrio
enquanto seres estranhos invadem os quarteirões.

Mantenho-me longe do otimismo. Assim, quem sabe,
me alegro no fim desse calendário novo;
pois, otimismo, é para os débeis. É fácil ser otimista.
A dificuldade está no desastre. Está no enfrentamento
da crua e nua realidade.
Ser otimista, pois que...
Otimistas não mudam. Pois se mudassem algo, não seriam otimistas.

Meio-dia.
Meio-cansado.
Meio-meio.
Meio-ao-meio.