30 de dezembro de 2017

De sempre




Há quem me diga
que as coisas quando o ano mude
mudarão também.

Se já começa com fogos de artifícios
e sorrisos artificiais, o que esperas?

Bem, escuto, por vezes, que sou pessimista
sou é otimista até demais.
Juro que as coisas ficarão na mesma.
Alguém mais otimista que eu?

29 de dezembro de 2017

O Grande Circo


Ele se move, sutileza inolvidável


"Que queres que eu diga?
Resultará igual, não?
Então, melhor silenciar, que pensas?
Escutar um jazz enquanto o diabo dança?
Observar o mundo desabando e rir?
Chorar? Não, que isso é besteira, concordas?
Te digo, vamos calar; de acordo?

E em silêncio, um baile de horrores?
Respeitável público. Senhoras e Senhores ...
Bêbados e sóbrios hostis.


Que querem que eu diga? "
 
 

28 de dezembro de 2017

Reloj, ajedrez y nadie



Café, chá, café.
Enclausurado.
Depois de certo tempo, se toma gosto.
Se sente confortável.
Por vezes, até ousa encarar o Sol.
Para convencê-lo de deixar o posto para a Lua.

Café, chá, café.
Exercício.
O relógio.
Um livro de xadrez.
Um livro de Borges.
Um livro de Skinner.

Uma partida, blitz, cinco minutos.
O adversário me vence.
Revanche.
Se ganha fácil na segunda.
Quando se conhece as variáveis.

Café, café, café, chá.
Um descanso longo de quinze minutos.
Me sinto completo.

Admiro, as vezes, a mediocridade do existir.

Quanto menos esforço faço, mais as coisas vão acontecendo.
Não sou de bancar o herói. Nunca fui.
Deixo-me isolar por uns instantes.
Seja no xadrez, seja nas estantes.
Seja no depois, no agora, no antes.

Viver assim, sem muitas surpresas, talvez
a melhor solução.

Pra quê mesmo uma vida de altos e baixos?
Pra quê mesmo uma vida cheia de emoções?
Os aplausos, as vaias. Pra quê?

O básico.
O arroz e o feijão.
O simples.

Café, café, café. Xeque-mate.

27 de dezembro de 2017

26 de dezembro de 2017

Sagradas escrituras do cotidiano



Se escrevo é por incômodo
por me irritar com o trivial
por não ter melhor modo
de ser assim, tão coloquial

rasgar o verbo sem ter pra quem
ou pra qual; por puro desaforo!
cuspir na oração e dizer amém
depois de comer merda, cagar ouro.

Perdoem minhas expressões
são apenas versos baratos
não sou de fazer saudações
para diabos ou beatos.

Se escrevo é por insônia
e não, não farei parcimônia
farei é trovão
trova de solidão.

Se escrevo é por descaso
que o verso faz
é pelo ócio e descanso
que o verso traz

 

24 de dezembro de 2017

Falação (Xylella) fastidiosa



Um show na rua
gaita, tambor, violão e voz (e boina)
era um cara só
uma roupa qualquer
e ainda tinha tempo de parecer
o Che Guevara,
mas estava cantando em inglês

tocando gaita e fumando
tudo ao mesmo tempo
as vezes até conseguia respirar

uma senhora passou do meu lado
apreciando o show, e disse aos sussurros
"podia tá trabalhando, moço forte"
desse tipo de comentário, a rua não precisa
nem o rapaz, nem o ouvinte, nem a senhora que disse.

Mas fiquei pensando na vida dela
mas fiquei pensando nas variáveis
até, depois de algum tempo, voltar-me
para o comportamento verbal dela de depreciar;

fiquei triste, o mundo é meio sombrio
quase sempre é assim; quase; nem sempre.

E eu querendo julgar.
Que culpa ela tem de ser condicionada a emitir
relâmpagos e pragas?
E eu querendo me julgar por querer julgar.
Que culpa eu tenho de ser condicionado a emitir
meus relampejos de tempos em tempos?

Que culpa alguém tem de censurar com ódio o ódio alheio?

O show foi bonito.
A gaita soprou prazeres.
E o rapaz ganhou o pão do dia a dia.

Se não fosse dezembro
até manteiga ele comprava.
O preço sempre sobe em fim de ano.
Parece que o mundo vai acabar.

Até - o cúmulo - a cerveja encarece.

Só sei que ninguém vai se embriagar com gasolina;
como diz uma amiga aí, 
é Cantina da Serra, tá de bom tamanho
quatro litros e seiscentas ml
 
 

festividades



ano novo; natal;
amigo secreto
inimigo indiscreto

23 de dezembro de 2017

Escuridão gramatical



a falta de critério
na seleção das palavras
me incomoda;

o uso criterioso
só pra parecer mais culto
me incomoda;

se você for profundo
por favor, não leia poesia,
ficarás procurando
significados e referências

em amontoados
de lamentos.

(O pior é que acharás).
 

22 de dezembro de 2017

pontes



Tudo em mim
é destrutivo
não por querer morrer
mas
por querer estar

vivo.

21 de dezembro de 2017

Ao moço



Alvoroço
achar carne
onde só osso

Belle Époque

 
 
A ausência, ainda machuca
não aprendi a viver sem
não aprendi a viver
não aprendi a
não aprendi
não...



18 de dezembro de 2017

Diminuir-se IV



Tudo friamente calculado
a mínima vírgula, o acento;

faz vento,
fica tudo; esparramado.

17 de dezembro de 2017

menino



...  vão gritar
"Justiça, justiça!"

Poucos olharão
as variáveis
que fizeram
do vilão, vilão.

15 de dezembro de 2017

Companheiros e companheiras



Meus amigos tem prosas
memoráveis; reflexões
estupendas, dignas de nota.

O que mais vale são as dúvidas
que arrastam minhas grotescas
convicções e verdades absolutas

Levam-nas para o deserto
matam-nas de sede; acabo
por fim, cedendo ao pensar


sedento ao pensar.


13 de dezembro de 2017

Oração XXI



A oração começa:

bolsa de valores sobe
dei aos esmolados o que sobre
ouro, prata, para os ricos
cobre para os pobres
cobre os pobres

igreja
estado
bancos

sente-se, meu bem;
vamos falar de juros
vamos falar de muros
vamos falar de urros
de quem tem fome.

A oração termina:

abençoada a crise
a melhor invenção
do século XXI.

 

6 de dezembro de 2017

Crônica e poesia aos desinteressados

Crônica:

Os olhos - semiabertos - destacavam o efeito da rotina. Traços na testa anunciavam as variáveis. A respiração - o ar pesado - evidenciava a paciência, mas não a calmaria (inexistente) do cotidiano. A boca - para ser mais específico - os lábios, sequíssimos; escassos em volume, cor e natureza, gritavam a todos que se atentavam que a sede, faz muito, não mais existia.
Isso para não comentar das mãos. Enrugadas, com curvas sem igual, calos sofridos mas que certamente não causavam qualquer dor. A dor perde qualidade e significado quando é hábito, quando é condição.
O corpo não conhecia o que, ao menos aqui na esfera poética, se chama de prazer. Essa palavra não deve existir no dicionário daquelas marcas. Pelo uniforme, deve ter um cargo qualquer, em empresa terceirizada, talvez de serviço de limpeza, considerando as botas usadas.
Ela desce do ônibus, passos vagarosos, muito por conta da idade. "Pessoa miúda", penso.
Minutos depois encaro, sem a mínima pretensão ou objetivo, outras pessoas. Fico apreensivo. Os olhos daquela senhora ainda estão no transporte coletivo. Encaro a todos, inclusive o chofer. Todos tem os mesmos olhos.
As mãos, as testas, a respiração; pareciam todos iguais. Como um único organismo sonolento, se é que podemos denominar de organismo, porque isso pressupõe que se tenha vida. Ali não vejo vida.
Algo que me conforta. Miro a rua, reconhecível, finalmente. Meu ponto é na parada seguinte. Ali no solo, no chão da calçada, sinto a vida do cimento esquentar meus passos. Sinto o Sol, vivo, a queimar-me. Sinto as nuvens, chorosas.


Poesia:

Sinto muito por pouco sentir perante os demais.
Sinto, quando muitos ao meu redor, sinto solidão.
Sinto, quando nos olhos alheios, a expectativa que do outro lado, o ouvinte seja um humano.
Sinto, vago e vagarosamente, um desespero crescente
Sinto o caos beijando-me a testa, abraçando-me
Sinto a ordem se encontrar nos meus comportamentos
Sinto-me inconformado com os zumbis em seus aparelhos
Sinto-me.
Sento-me.
Santo-me.
Diabo-me.
Humano-me.

E tomo um café para nada mais sentir.
Faço-me café. Nada mais.

Haicaos I e II

Tudo em paz.
Tirando o porém
o todavia, o mas.

 No entanto
vivo e com chuva
nu em pranto.

3 de dezembro de 2017

Caverna de sentimentos



A lua - vagarosamente - domina os olhos
cheia, enche também quem admira,
quem mira fundo e mira se perder - vagarosamente.

Mas no céu tem nuvens
e são cinzentas; como a segunda-feira
que vem enevoar-nos.

Os carros aceleram - vorazmente - motos devoram silêncio
com o escapamento; não escapa nem lamento.
Anunciam que não existem noites ao homens.

A lua - novamente - domina os olhos;
uma cerveja, duas cervejas, turvo movimento.
Uivo sua ausência: ecoa em mim, caverna de sentimentos.

1 de dezembro de 2017

Diminuir-se III



Originalidade:

distorcer tão bem
o verso alheio
que ninguém o identifique