23 de abril de 2015

Normalidade

Já notaram que qualquer resquício de diferença num indivíduo já é motivo para considerá-lo anormal?
E eu aqui tentando no mínimo entender o que é normal e o que não é. Como já ouvi por aí, tudo que me é humano não me parece estranho, tampouco chegar na loucura de rotulá-lo de "anormal".
Anormal = ser "normal" e nem se questionar por que ser assim...

20 de abril de 2015

Entre-linhas e vazio

Parando para pensar:
sentir-se vazio
é na verdade,
sentir-se cheio de tudo.

Culpa desse mundo
tudo ego, tudo vadio,
tudo
sem sinceridade,
e nada de amar:

amarga humanidade
de fundo oco,
exige-se muito
vive-se pouco,
é esse o intuito,
ciclo vicioso:
não deixar ninguém
ocioso,

parando para pensar:
quem não anda cheio?
esgotado e cansado
nada inteiro, só meio.

parando para pensar
foi que senti o vazio
foi que me senti escuro,
no meio-fio
quase caindo do muro

parando para pensar
mas não
pensando para parar

GRF


Leminski diria:
"Vazio agudo, ando meio cheio de tudo."
 

19 de abril de 2015

Um pouco de amor

No beijo o encontro, não apenas dos lábios, mas das estações,
a temperatura dos corpos oscilam, por fim entram em homeostasia,
aceleram-se os ritmos e batimentos de ambos os corações,
o mundo não passa daquele abraço, é púrpura, pura poesia.

Segundos, mero segundos, esbarram no que é eterno,
os poetas fingem que bem descrevem, desde os velhos séculos,
todo o amor e paixão numa só página de caderno.

Um beijo, um abraço, um olhar, um sorriso descontrolado,
digo, de passagem, que o amor cria nossa humanidade
e não, de forma alguma estou sendo exagerado,
sabemos que só vive bem quem se ama de verdade.

E, como já escutamos, quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?
Aliás, somos todos românticos, outros mais, outros menos, mas é certo: todos amamos.
e...
A mais pura forma de ser é ser Simples de Coração.
(Pois não se encontra no plano do pensamento, apenas no plano de ação).
 

 GRF
 
 

18 de abril de 2015

Poesia noturna



Lua céu acima
meu olhar fixo
com ela rima,

vejo estrelas
quero agora
apenas vê-las,

se escondem os homens
com medo de ver a lua
e se tornarem lobisomens 

surge a noite e os astros,
os fantoches se vão
em vão, sem deixar rastros.


nada mais
nada menos:
nem loucos nem normais

(É noite, e somente os que não encontram no dia abrigo algum é que se deixam levar pelo encanto lunar. Esses, os poetas do tempo, admiram a graciosidade com que a Lua, satélite natural do mundo mais artificial, surge. Sem gritos, sem valsas, apenas surge em meio ao dia, trazendo não só a noite, mas também a poesia).


 

 


17 de abril de 2015

No meio do caminho

Carlos Drummond de Andrade escreveu:

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.


Quem mora em Ribeirão Preto escreveria:

No meio do caminho tinha um buraco
tinha um buraco no meio do caminho
tinha um buraco
no meio do caminho tinha um buraco.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de meus pneus tão fatigados.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha um buraco
tinha um buraco no meio do caminho
no meio do caminho tinha um buraco.
No lado esquerdo do caminho também tinha um buraco,
no lado direito do caminho também,
talvez só exista buraco nos caminhos
e nas ruas dessa tão abandonada cidade.
Não havia rua, somente buraco.


*Com todo respeito ao mestre Drummond e seus poemas...


 

16 de abril de 2015

Silêncio sibilino

Silêncio                  dançante

pensamento denso
no agora em diante.

Enfrento o rosto do espelho
tom pálido pouco vermelho
seguindo o azul do céu.

O corpo caminha no escuro
a mente no banco do réu,
livre qualquer pensamento
da liberdade (de ser).

Dias amanheço,
outros apenas esqueço:
a manhã me amanhece
ou, esquece.

Silêncio  dançante
os corpos alheios correm com pressa, o que me parece muito estranho e nem sequer me deixam pausar um verso que por sinal fica muito extenso,
mas, feliz, da vida sou amante,
quando todos se desesperam pelas coisas mais idiotas que se possa imaginar, resolvo no simples: fico suspenso.
Esvazio o pensar como quem não quer nada
(e não quero mesmo)
respiro a imaginação, isso é tudo conto de fada.

                                                                                         GRF

A vida, a poesia, o enquanto



Pensar na vida é pensar que agora mesmo, em questão de milionésimos de segundos, tudo estará desfeito. Não dispensarei o clichê de dizer que a única certeza da vida é a morte. Apenas reescrevo a frase para que se adapte ao meu desejo “as únicas certezas da vida são a morte e o enquanto”. Sim, o enquanto! Enquanto houver tempo, haverá enquanto. Enquanto houver enquanto, haverá tempo. Mas só por enquanto. Ou por encanto, vai saber.
Em termos tingidos, a vida não tem se mostrado tão impossível, tão dramática quantos alguns dizem (ou fingem drama ou são verdadeiramente negativos), o único drama quem inventa é o nosso eu pessoal. E parece que dificultar o simples e simplificar a incógnita é minha linha de (anti) raciocínio.
Dia desses pensando em nada (para ver, talvez, se entendia tudo), me surpreendi com a noção de morte que não tenho. Sinceramente nunca pensei na morte como inicio nem como continuidade e tampouco como fim. Para que pensar nisso como transitoriedade? E por que (raios de) deveria imaginar como sendo a linha contínua desse corpo, dessa alma, desse espírito, novo, mas já tão cansado? A morte é a liberdade da vida. Nesses casos e em tantos mais, prefiro não ser livre, anseio essa mediocridade da vida, gosto do sabor amargo do mate e do café, dos bel-prazeres que a vida me dá, gosto da paz e no fundo até mesmo da desordem. Encanta-me o ócio e a poesia. Tai uma coisa engraçada e sensacional. A poesia. Ela torna transcendente o simples... Mortal. Quer algo mais divino que ser lembrado por versos que dizem tanto de si e dizem tanto de tudo?
Por egoísmo não pondero na exausta definição dos dicionários. Existem tantos egoísmos que seria asneira enumerá-los, ou tentar. Porém, carrego o principal egoísmo: aquela que cá a pouco bem proferi, a poesia. Não se espante! Poesia é puro egoísmo. Mesmo querendo dizer do orbe alheio, dos valores mundanos que eternizam os nossos incômodos e bendizes, bah, só narramos de nós mesmos. É egoísmo, sem deixar de ser prodigioso. E quem disse que egoísmos são apenas egos estufados?

Escrevo e (a)pronto ...

Quando Paulo Leminski, poeta catarinense, escreveu a seguinte frase: "Escrevo. E pronto.", fico imaginando o alívio que sentiu nessas breves palavras, tão breves, mas tão embriagadas de lucidez. É de outro mundo. Escrevo e pronto. É isso, sem um motivo intrínseco, ou então extrínseco, além do ato do próprio escrever. Sem buscar fama, sem buscar ser compreendido, sem buscar prazer nisso, sem buscar o próprio ato do buscar (que, aos bons escritores, seja na escrita propriamente dita, seja nas atitudes marcantes e simples, isso tudo vêm com o tempo, mesmo que após essa breve existência). Escrevo e pronto. E quem quiser entender, que entenda o que quiser, ou o que lhe for conveniente. 
Sem se contentar com o alívio imediato causado pela frase, ele vai além, e diz "Ninguém tem nada com isso". Que grito! Para quem lê com presença de espírito, concentrado no que está lendo, obviamente se arrepia. Quando pensamos na escrita, pensamos logo no leitor, ou então na linguagem como código para transmitir ideais, ideias e tudo mais. Com Leminski é diferente, ninguém tem nada com isso, e por que afinal deveria ter?

"A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?"

Lemos então, ao final do seu poema, uma conclusão que surpreende, quando compara o homem aos outros animais, ergue uma crítica a questão da objetividade humana. Expressão que sempre escutamos e lemos "o homem é um animal que vive da objetividade e da finalidade". Não para Leminski. Na prática é o mesmo de fazer o bem sem olhar a quem, e sem pensar em ganhos ou benefícios. Apenas fazer o bem. Apenas escrever. Escrever. Crer no que se escreve, e não apenas escrever o que se crê.

E para aquele que nunca cansou de viver, e almejava ao máximo o prazer da vida, um breve recado do bigodudo catarinense:

"A vocês, eu deixo o sono.
O sonho, não!
Este eu mesmo carrego!"

Para terminar, deixo escrito uma breve poesia que escrevi:

Quando escrevo
é puro diálogo,
não atrevo
a dizer o contrário.
Poesia (me)enlouquece
exigindo autonomia,
quer fugir do escritor
ter sua própria mania

me trás o verso pronto
enquanto penso no primeiro ponto,
por vezes exagera na rima
ri, finge ser obra-prima
e eu que ainda tonto
nem sei direito o que quero

por fim, por vezes, fica assim o placar:
tudo meio escrito ao meio
tudo quase mudo, zero a zero.
                                                   (GRF)
 

3 de abril de 2015

O ontem que agora é hoje

Detalhes, o hoje o mesmo ontem,
sem notar vivo esse ciclo vicioso,
e viverei até que se desmontem:
a alma, o músculo e o osso.

Desperto com o mesmo timbre
que me despertava a manhã passada,
Mi espíritu no más es libre,
não se contenta mais com nada.

E pouca importa a árdua solidão
pois estou cercado de gente,
sigo a valsa, dançando indiferente
pois, que me importa então?

Detalhes, meros detalhes,
indiferentes os olhares
que cercam-me de vazio,
no noticiário dizem que podemos ser donos do nosso destino
mas em seguida noticiam as desgraças nos jornais
vivo essa minha velhice no corpo de um menino,
dizem que sou estranho, mas os que dizem não são normais.

Me contento em conter-me
em ler-me nas expressões inexpressivas,
viver os mesmos dias sempre previsíveis
reinventar a mesmice.

Vida: vazio e poesia
ego e fantasia
rima e 
ponto final.