21 de fevereiro de 2018

Projeto de vida



Na vida quero ser
aquilo que não se destaca
que não é demais
que não é de menos
que é média da média.

Quero sim ser superficial
como no mar o sal
como no som o sonoro,

e se pudesse seria só
e seria a solidão inteira
mas na semana
não cabe ócio
é coisa pra todo lado
é coisa pra condenado.

Mas quero ser média
quero ser superficial
ainda que me caiba a repetição do verso
e cervejas baratas.

18 de fevereiro de 2018

Sobre



Saiba de todos os versos
saiba de tudo que sinto
saiba que vivo imerso
em monólogos sucintos.

No mais
sou previsível
e, por vezes,
insensível
até demais.

13 de fevereiro de 2018

Haicai pra beato



pra crente
nada de água benta
só aguardente

Los niños del nuevo siglo



Nuvens brincam de formas
as crianças na tecnologia
nuvens, agora cão, mesa, giz
aquela lá parece minha professora
aquela outra parece triste

as crianças na tecnologia
pois isso é tudo que existe.

Ato de coragem




nada fazer é um ato de coragem
é bravura de poucos mortais
tem quem diga:
"se não for ajudar, ajude não atrapalhando",
isso sim é heroísmo
não atrapalhar quem de boa-fé
pretende mudar o mundo
falando mal da vizinhança
olhando a grama mais verde
babando na grama mais alta
do vizinho do vizinho do vizinho.

O-dio mio



Todo divino
é criado
não criação
é obra
não obreiro
é invenção
não descoberta
é motivo
pra ficar
tudo na mesma

quem sabe
um dia
eu esteja errado
e vá dormir
ao lado
do diabo
ou de Maomé
mas
descrente
sou crente
que toda gente
se agarra
em deuses
sem fé.

10 de fevereiro de 2018

EntreVersos



Entre versos e entre mundos
gostaria de ter sido eu o autor
de Conformópolis, dos milongas
e de todas as letras de Tom Zé.

Não sou.

Gostaria tanto quanto de ter composto
"a causa e o pó", de Lenine.

Finjam todos a inexistência dessa canção
deixem-me fingir que sou o dono
de tamanho encanto:

"A dureza real de quem é pedra
Que a volúpia do atrito lapida
Esse brilho tenaz que quase cega
É ventura do ventre da ferida
Quem dirá, migalha de sol

Que o brilho é teu apogeu,
Se ofuscado no caldo das estrelas
O brilho se perdeu?
Sou de estrelas a causa e o pó
Sou de estrelas e só
Do ser ao pó, é só
Carbono
Solene, terreno, imenso
Perene, pequeno, humano

Natureza tão sólida de tinta
Que o frágil atrito transporta
Esse risco voraz te faz faminta
E a rasura te move em linha torta
O contraste será troféu
Que teu risco alinhavou
Ou vestida mortalha das estrelas
O risco se apagou?"

3 de fevereiro de 2018

Si te cuento los motivos..




Se questionarem
diga um sim
diga um não
diga um talvez
diga tudo isso
de uma só vez
e deixe a dúvida
no (b)ar
no copo
no guardanapo

deixe que
deixe quando
deixe-a
deixe
a deixa

deixe o que preenche
que é só silêncio
que é só motivos
para do ócio
se esquivar.

1 de fevereiro de 2018

Baita Inspiração





Flores brotam de pedra
flores lindas, belas
com cheiro de merda

Pois sim



O mundo não é feito de estrelas
é feito de postes.
O mundo não é feito de pássaros
é feito de motos rasgando avenidas.
O mundo não é feito de canções mágicas
é feito de ruídos.

O mundo é solidão de mãos dadas
o mundo é gargalhadas de tombos
o mundo é hinos em guerras desconexas
o mundo é o que tem sido.

O mundo não é feito de poemas;
ao menos isso, não é mesmo?

Omissões, por minha culpa



verso omitido sim merecia livro
merecia público, merecia honrarias
merecia depreciações; o exposto,
é verso de esquina, dado a quaisquer;

verso omitido sim merecia
ser chamado poema ou poesia
ser chamado pelo nome
ser.

verso omitido merecia ser publicado
mas só merece até sê-lo,
depois, que se vire e revire.

Códigos



De que importa a palavra
se é em papel que se lavra
o falsamente verídico?

Tome um gole de sua lei
pois disso bem eu sei
tem gosto amargo.

O que não tem?

contra-fé




não ponho fé no que escrevo
por vezes, nem no que digo
mais ainda no que sinto,
menos no que escuto
abstenho de dizer do que vejo;

só o cheiro basta.