22 de abril de 2020
Banquete para sua profana imagem
Você sempre esteve nas minhas manhãs, tardes, noites e madrugadas
nos meus pensamentos sombrios, nos rasos, nos profanos e nos mais sacros
vive em minha consumada liberdade e na minha impiedosa determinação;
enquanto lavo a louça, você está ali, me soprando aos ouvidos
enquanto tomo meu banho, enquanto bebo meu café, minhas doses de seu nome,
nas músicas melancólicas você está, sempre esteve, nos pedais, nas notas do baixo,
gritam seu nome em todos os rostos e ventos, o mendigo me disse seu nome
as jabuticabas são seu olhos, o céu escuro teu corpo, as luzes de natal piscam você,
nas angústias que ninguém mais conhece, você secou cada lágrima que você mesmo causou,
nos meus pesadelos e nos meus minuciosos e indescritíveis sonhos de uma sociedade alternativa,
na minha nudez, na vergonha, no ócio não preciso comentar. Você está presente,
no campo vazio da poesia que tem suas curvas, a letra cheia e disparada, que tem suas mãos
seus olhos julgam cada movimento que esse peso realiza, as rimas tem sua autoria,
as hipocrisias que narro são todas suas e não há sujeito que não você,
o som da gaita é sua sonoridade desenhada em sopro e aspiração,
a leitura que faço de Jorge Luis Borges, Neruda, Thoreau, todas, fotografias de seu sorriso
ou mesmo de seus choros, seus ataques histéricos e sua paz inigualável
o conceito de alienação carrega sua graça, os pássaros que vejo voar, as desgraças do cotidiano
tudo e todos são você.
Deus e deuses e deusas, você.
Ao passo que olhando no espelho, escrevo essa poesia e me dou conta de minha compostura narcísica.
Não me apedrejo.
Não me crucifico.
Não me espanta.
Vocês também só veem vocês nos outros.
Mentirosos.
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