9 de julho de 2018

Acende um cigarro



Parado; acende um cigarro,
inquieto, seu pulmão ganha vida,
queria ver o mar
queria pisar na areia
se sente velho, esgotado,

seus amigos, no bar,
faz duas décadas que parou de beber,
faz duas décadas que se embriaga de café;
saudável? que isso significa?
após os cinquenta, saudável é não estar enterrado.

parado; observa a tristonha felicidade dos vizinhos,
ali, ao lado, escutam samba e fazem churrasco.
ele reconhece a canção, é Cartola tocando.
Seus pés balançam, quase de forma imperceptível.

O sino da igreja toca. Por um minuto, voltou ao passado
aos enaltecidos momentos de prosa, samba e sorriso.
Seis horas da tarde, da noite. Se despe, se banha,
se estranha com o espelho.

Acende um cigarro.
Toma um café, nas pausas de cada verso o fez.
Se alimenta e cuida da casa.

Amistosamente, retoma sua leitura, do dia anterior.
Ali encontra sossego; entre uma à três da madrugada
não há nada que lhe desvie o olhar. Após,

acende um cigarro.
Descansa até meio-dia.
Acende outro cigarro.
e assim, segue.

Uma sensação tão particular que não se sabe definir.
Só os velhos sentem. Por isso não se nomeia.
Tem coisas na vida que é melhor não denominar.

Acende um cigarro.
Seu pulmão vai bem.
Mas, claro, do cigarro que acende, fuma somente um oitavo.
O resto, o vento leva; é só fumaça.

Carbono,
como nós.

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