12 de outubro de 2018

As bolhas de Bolsonaro (texto de L.C.M.)

*Texto retirado do Blog: Meu Verbal


Bolsonaro é o candidato mais bem adaptado ao que eu creio ser o futuro das campanhas políticas. O candidato do PSL provavelmente sob orientação de Steve Bannon soube se aproveitar com maestria da natureza das interações em rede, que hoje em dia chegam a ocupar uma boa parte de nosso tempo. A questão é que não se trata mais das mesmas regras de quando as mídias tradicionais tinham monopólio da informação sobre os candidatos, a informação hoje circula de modo diferente e para que possamos entender como o candidato tirou proveito disso devemos  antes entender o que as redes sociais trouxeram de novo.
A TV tem por objetivo oferecer um produto que garanta a audiência do telespectador, quando se trata da TV aberta os telespectadores formam um grupo amplo, já nos canais da TV fechada os telespectadores formam grupos reduzidos. Tanto a aberta quanto a fechada modelam aquilo que emitem de acordo com o feedback fornecido pelos seus telespectadores, um programa é cancelado quando tem pouca audiência, notícias polêmicas, que são garantia de audiência, inundam nossos televisores, o único poder que tem o telespectador (se é que tem algum) é o de continuar assistindo ou não. Aqui é importante notar que o cidadão não tem um papel de emissor e/ou criador do conteúdo. Outra característica é que o conteúdo emitido pela TV atinge simultaneamente todos os telespectadores, e desse modo a chance de desagradar algumas pessoas é maior do que no caso das redes sociais (discutiremos mais adiante), sendo consequência disto um certo controle do conteúdo pela média do feedback fornecido pelos telespectadores. A mídia poderia, por exemplo, distorcer algumas notícias, mas não ao ponto de perder audiência, caso haja um descontentamento por parte do telespectador a retroação será sobre o conteúdo emitido.
No caso das redes sociais a questão difere drasticamente. O primeiro passo é entender que as redes sociais não são emissoras, ou seja, elas não tem um produto audiovisual que se modifica em função da audiência, o seu produto é mais sutil, ele é condição tanto para a emissão quanto para a recepção do conteúdo, seus usuários são "emissoras" e "audiência" ao mesmo tempo. Entende-se, então, que as redes sociais na verdade fornecem um meio, seu produto é uma ferramenta que se modifica pela eficácia e eficiência em seu uso, o Facebook, por exemplo, está sempre realizando modificações a fim de ser mais útil ao usuário. O usuário caso se rebele não será quanto ao conteúdo recebido, como nas mídias tradicionais, mas sim quanto ao uso da ferramenta. É a combinação do fato de as redes sociais terem como produtos ferramentas e estas ferramentas serem basicamente de interação que leva ao problema, sendo que ele se constituiu da seguinte forma: a rede social precisa que sua ferramenta seja de uso eficaz por parte do usuário e este será eficaz no uso somente quando tiver sucesso na sua emissão de conteúdo e na recepção de conteúdo, dessa forma as redes sociais acabam modelando seu produto de forma com que você seja sempre eficaz nas suas interações (o que difere da vida fora da rede), mesmo que para isso ela o engane exercendo um controle muito mais sutil. A ferramenta condiciona o homem. Porém que controle é esse, como ela condiciona as pessoas e quais as consequências disso?
O controle tem por base o reforço imediato dependente do emitir e do receber, por exemplo, quando uma pessoa envia  uma mensagem em um grupo de WhatsApp e rapidamente tem como  feedback do grupo mensagens de apoio, concordância, incentivos e etc. a probabilidade de ela enviar no futuro novas mensagens do tipo aumentam. Um importante efeito disso será que o feedback do grupo será sempre no sentido de receber mensagens do mesmo tipo, criando com isso redes de interação chamadas de bolhas ideológicas. Nelas haverá sempre uma baixa variabilidade no repertório de seus integrantes, sendo que qualquer coisa que fuja de uma estimulação positiva será punida por mensagens de discordância ou facilmente excluídas do grupo. O único requerimento para participar do grupo será o de concordar com ele, fazer rir para poder rir.
Atualmente há muitas bolhas ideológicas, sendo que até mesmo algumas ferramentas criam mecanismo para garanti-las, os algoritmos do Facebook garantem a eficácia da emissão selecionando previamente quem verá as postagens e garantam a boa recepção do conteúdo selecionando previamente a quem será emitido.
A grande sacada da campanha de Bolsonaro foi a de ter se aproveitado das características das bolhas ideológicas. Os grupos de WhatsApp, por exemplo, são bem representativos do que seriam as bolhas. Cada grupo pode ter até 256 integrantes, estes podem ser de qualquer lugar do país e ter como apoio qualquer tema, por exemplo, porte de armas, antipetismo, parada hétero entre outros. Sua equipe e apoiadores ao disseminar conteúdo nesses grupos fazem com que fragmentos da imagem do candidado circulem somente pelas bolhas onde seja vantajoso circular, sendo assim Bolsonaro não tem o risco de desagradar seus eleitores mostrando qualquer coisa que desagrade o grupo específico. Talvez seja por isso que o candidato se recuse a participar dos debates, há o risco de apresentar suas facetas de uma só vez. A  bolha terá o funcionamento já citado, seus membros terão baixa variabilidade no repertório e devido a um condicionamento diferencial passarão a se comportar de modo característico ao do grupo, este modo se caracterizará pela falta de debate e a exclusão imediata do que indica a posição oposta. Além do já dito, entende-se também o motivo de Eduardo Bolsonaro ter sido eleito com tantos votos, sua estratégia foi criar bolhas sobre temas específicos reunindo pessoas que antes eram incomunicáveis entre si, conseguindo um aumento de votos de 130% em relação a candidatura de 2014.
Embora não exista tantos dados a respeito do tema, procurei reunir um conjunto de forma um tanto rudimentar, mas que já oferecem alguns indícios.
Hoje o Brasil tem 147 milhões de pessoas aptas a votarem, 117.364.560 (79,67%) foram às urnas no primeiro turnoBolsonaro teve 49.276.990 (46,06%) dos votos válidos. A questão é que 81% dos eleitores de Bolsonaro são usuários de alguma rede e se levarmos em conta seus votos válidos serão cerca de 39.914.361 de seus eleitores. Desses 39 milhões 57% leem notícias pelo WhatsApp, cerca de 22.751.186 de seus eleitores, 61% leem pelo Facebook, cerca de 24.347.760 pessoas. O número de eleitores de Bolsonaro que compartilham notícias pelo Facebook é de 12.373.475 (31%), já pelo WhatsApp é de 15.967.744. Nenhum candidato chega ao mesmo número de pessoas, Haddad tem, por exemplo, apenas 59% de seus eleitores fazendo uso das redes, lembrando que seu número de eleitores é muito menor que o de Bolsonaro. Outra questão também são as fake news, uma pesquisa realizada pela veja mostrou que 67% das que se referiam ao candidato eram positivas, 22% negativas e 11% neutras, sendo que nenhum  dos outros candidatos tiveram o número de positivas maior do que as negativas.
Creio que o mais importante seja notar como que as redes mudaram a qualidade das nossas interações e como os candidatos tanto de esquerda quanto de direita - atualmente mais de direita - estão e continuarão tirando proveito de tudo isso.
 
 
 
*O texto é de um Blog de um amigo, analista do comportamento, contêm coisas de análise do comportamento, política, poesias, textos reflexivos, etc.
Para entrar diretamente na fonte, é só clicar lá em cima, no "Meu Verbal"

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