28 de setembro de 2019

Sangue, suor e lágrima (ó, proletário)



Pois então, passemos a vida inteira lutando pelo que mais odiamos. Lutemos até a última gota de sangue por aquilo que nos mata. E nos consome. As estrelas distantes que não nos cegam mas que tampouco nos aquecem o suficiente. Vamos em busca delas! Assim, seguiremos o nó do labirinto até que encontraremos a nós mesmos no amanhã. Eis ali, caçador e caça a brindar o próprio suor, sem que saibam. "Crescer na sociedade". Que te parece? "Subir de vida". E não importa se de escada ou de elevador. São termos da moda, são termos que descrevem o modismo operário. Faça ao outro aquilo que fizeram contigo, pensa o sujeito. Sim, assim ele aprendeu. Não retiro o peso da determinação no comportamento (ainda que probabilístico, sou um determinista; e antes de me lançar pedra, estude o conceito). Mas não estamos falando disso... Ele aprendeu. E replicou, como foi ensinado a fazer.

"Quando o trabalhador cresce na sociedade
E tem a oportunidade de ser protagonista da história
Ele pratica o método do opressor
Porque foi o único método que aprendeu
Então, ele só sabe agir como o opressor..." (Tom Zé, em Esquerda, Grana e Direita).

Mas, Tom Zé, para além da minha absoluta concordância contigo, temo dizer que o trabalhador se vendo enquanto protagonista, sente na pele, ainda que brevemente, que faz ao outro o que lhe foi feito. É gado que monta no rebanho, eu sei. Mas no momento de marcar com ferro em brasa aquele que foi seu companheiro, vive uma luta dramaturga entre queima-lo ou não...
Aí entramos. Devemos estar prontos para saber como mudar a sensibilidade comportamental.

Comecemos por queimar os livros de autoajuda e a banir o mentalismo no campo cultural.

  

24 de setembro de 2019

Ideologias e logias indecifráveis




Em geral, deveríamos nos preocupar com sujeitos que, bradando cólera e ostentando o punho de ferro, atacam com fervorosa crença aquilo ao qual se referem por "ideologia". São como aqueles que sem argumentação, inventam o espantalho e o maltratam verbalmente. Tempos de verdades absolutas e espíritos raivosos. Diálogos secos e poucas pausas. Ideologia daquilo, ideologia disso. Por ironia da linguagem, são os que pregam contra ideologias, seus maiores defensores. Fazem cegamente. São ideólogos, no sentido pejorativo do termo. Porém, jamais aceitariam tal rótulo. Pois que, por defenderem o estático, o prego que não se sustenta na areia, pensam lutar pela manutenção do bem. Tempos de espíritos tolos.

22 de setembro de 2019

O barulho que atravessa a janela



O barulho que atravessa a janela
Vem lá de fora se unir a mim
O motor do carro e o latido da cadela
Parecem jamais terem um fim

São quatro horas dessa madrugada
Mas a Lua é quem te dá bom dia
O Sol já vem como quem não quer nada
Devora o sonho e o desfia

A cortina de poeira vermelha
Abençoa a mãe natureza
O humano só em si se espelha
Canta aos céus sua certeza

O barulho que atravessa a janela
Na noite do dia seguinte
Me faz de mim um bom ouvinte...

"E quantos ruídos atormentam vossa calma?
E quantos rótulos descrevem minha alma?"
Sou dono do meu silêncio, rei da minha pele,
responsável por permitir que o som me atropele.

O barulho que atravessa a janela
diz mais de mim do que dela.
 

20 de setembro de 2019

Campos gravitacionais



Como um objeto espacial
a cruzar a linha imaginária que inventamos;
aos poucos, você some, se distancia,
mas no fundo sabemos que serve apenas
para que dê a volta em outros astros e tudo mais do universo sideral
e então se aproxima do meu campo gravitacional;
não há escolha
quando atinge um certo ponto, os corpos se atraem,
se colidem, se modificam;
sua órbita se confunde com a minha.

Até que aos poucos se desprenda
faça nova rota, trace sua orbe,
e volte a gravitar sem rumo;

pois não sou toda a extensão do universo
e nem quero ser.




18 de setembro de 2019

A luxúria dos Sátiros



No quarto escuro a vastidão e a secura da atmosfera te beijam. Quase não podes respirar. Teus pensamentos não te deixam descansar em paz. Descansar em paz também é hino de morte. São teus pensamentos que figuram vida. D'onde vem esse fenômeno? O Sonho. Sonhar é deixar-se nu ao que te apetece. Gozar sem recordações. Mas há sempre uma mensagem para o agora. O que não fizestes? Por quê não? Regras te consomem, devoram e te despedaçam em salas e locais de trabalho? Deixai o relógio na mesa, ao menos hoje. Vá gozar! E goze da sua forma! Grite ou silencie. Coloque-se como um Oliver a aproveitar o plano astral. Pois há sempre uma mensagem para o agora. E não a direi.




 

12 de setembro de 2019

Sensibilidade










dessas sensibilidades
treinadas sem muito esforço
de sorriso leve e sonhos
tão malucos
quanto (im)possíveis

sem cócegas no ego
ou risadas exageradas
para piadas sem graça

essa sensibilidade
que tento descrever a tempos.

7 de setembro de 2019

Epistemologia comportamental I



"É que o discurso em questão fere outro que não eu. Atravessa imaginários longínquos de meu apelo. E o faço por isso. Por não saber do vento a devorar a pele do desabrigado. Por não sentir os passos do miserável. Por não ter a pedra dura a me consolar os pensamentos. Por isso o faço. Por isso todos fazemos! É por não entrar em contato com as contingências que dominam seja lá o que for que está alheio.

Só por isso.

Pelo mundinho que se encerra em minha pele ser mais forte do que o que está ali, aos meus/nossos olhos, e não nos ensinaram a ver. 

Respeitar as diferenças não é suficiente. Tolerar, menos ainda. É preciso se expor ao outro. É urgente sê-lo. Que a definição de sujeito precisa ir além da pele que habitamos".

(e preciso viver isso)




2 de setembro de 2019

Analysis of himself



Nada pessoal, conheço bem suas motivações, pois as minhas já foram parecidas. Hoje, desdenho do meu ontem, por saber da pouca relevância de causas absolutas que estrangulam as margens da interpretação e da análise. Ao fim, és pura decadência disfarçada de singelo abraço. Mas lhe dou voz. Não permito que te calem, pois nesse campo me firmo em Voltaire, e não dou voltas em sua defesa. Pelo contrário! Minha discordância é que te sustenta no discurso. Mas, não é nada pessoal. ("All we have to decide is what has already been decided"), I thought.

E aí está o erro! Não crer em mudanças e lutar por todas elas. Sim! É o que você tem feito! Aos olhos alheios, julgarás o alheio aos olhos dos que te escutam. E os que te escutam, são rios de versos, tão verborrágicos quanto és. Ficarei comedido, mas não comovido quando a serpente devorar a própria cauda. ("Las cosas cambian y vuelven al punto de partida"), Yo pensé.


Recuos literários



Faltam palavras no idioma
Fica uma terra sem lei
Se não se diz, o silêncio toma
Permanece o que definir não sei

Descrever o pisoteio no sentimento
O sol recusado pela minha janela
A dor que não vai com o vento
E o vento que sempre apaga a vela

No fim, a poesia serve para isso
Cantar o que muitos viveram
E, na linguagem, segue omisso.