28 de maio de 2016

Vírgulas que não adianta

De que adianta fingir o bom estado
e viver como Atlas, condenado?

De que adianta se esconder do medo
e viver remendando versos, bêbado? 

De que adianta sorrir no meu idioma
as falsidades escancaradas no alheio?

De que adianta me entupir de soma
quando quero mesmo tua boca, teu seio?

De que adianta adiantar-me ao amanhã
se não sei ao certo o próximo segundo?

De que adianta ter a mente sã
enquanto minh'alma é vazio profundo?

De que adiantaria, adianta ou adiantou
ser e escrever outro poema que não sou?

Não, caro leitor, esse jogo nunca mais,
sou mesmo essa metamorfose ridícula,
mas nunca mais ponho ponto
onde quero sutilmente por a vírgula ,,,,



(ainda que sem sentido,
afinal, que sentido
isso tem tido?

o amor sempre acaba em prosa
e bebida, e em outro amor e em outro vício e verso
mas com o amor de antes, não mais converso,
aquilo nunca foi amor, era uma romaria para o céu,
e de céu já estou cansado,
valeria mais se ela fosse, mulher diabo).

27 de maio de 2016

Retrucar

Pelo avesso
vou lendo o livro.
Vou vendo as páginas
de ponta-cabeça.
Pois é assim
que me enxergam,
é assim.

Do que eu digo
escutam
os verbos, a ação,
e retrucam
minha poesia
minha vírgula
minha vaga
vida vazia.

Pelo avesso
pelo lado b
eu esqueço
e deixo acontecer.

Não, não esqueço,
finjo que esqueço.

25 de maio de 2016

Escrevia, escrevia. Escravo que é, sempre seria.


Escrevia,
como se a palavra flutuasse
atuasse
nas margens que imaginasse

ou na tal da entrelinha
sua e minha.
Cheio de quase
naquele vazio constante
pachorrento, intrigante,
que as palavras habitam.

A mente do escritor
é um grito taciturno
que não reconhece
que a vida se vive em turno.
Dia é dia, noite
momento de escrever
balelas,
e fica elas por elas,
de dia se quer a noite
de noite se procura velas.

Escrevia
não mais para Joãozinho
tampouco
para Maria,
mas por escrever
por não crer
que outro modo havia.
Por não crer.

A mente do escritor
de poemas sem grafia,
de poemas que afia
sua própria dor,
numa língua toda estranha
duma complicação tamanha
tão difícil de entender.

Afinal, poesia não é feita
para ser compreendida,
e ela mesma não é afeita
a ficar assim, assumida,
quer mesmo é dar trabalho
para quem lê (quem?) e quem escreve
pois, de tanto e tanto retalho,
questionar ninguém atreve.

24 de maio de 2016

Vulgares pensamentos de uma noite sem luar



Na batalha exaustiva do sono, os demônios,
seres de luz - e não de trevas como dizem - agridem
o pensamento oscilante entre o sonho e o real.
O ser se debate, em parte por não ser o todo,
e outra parte pelo vazio alastrado na alma.

Então, na valsa marginal da madrugada, os comuns repousam
os cães fazem guarda e os loucos metamorfoseiam-se em poetas.
Então, no enxofre da melancolia, tristeza lunar,
os homens da segunda-feira blues fingem dor,
e, realmente caro leitor, sentem-na profundamente. Sentem.

Assim, eis o caos psíquico dos seres noturnos
que lutam, não descansam, pregam no verbo o cansaço
dos dias, das horas que quer desaparecer. Todas.
Como morcegos, mas ao invés de sangue, se embebem
na sôfrega paciência (impacientes),
cervejas, cafés, e goles de vinho.

O sono, a ausência dele. Esquizofrenia
causada pelo ritmo frenético da vida sem sentido
(e cheia deles).

22 de maio de 2016

Voe! Liberte-se! Mas voe para longe.


Entre o pensamento e a escrita,
ações não realizadas e verbos apagados
se encontram e tudo se limita
a poemas reescritos, refeitos, ruminados.

No fundo (da superfície) não se quer escrever.
Se quer é gritar, se quer desafinar a vida, e torná-la
uma "obra", igual essas pinturas contemporâneas,
ridiculamente feitas, estupidamente valorizadas.

Nos olhos, lágrimas de cimento escorrem o pesadelo,
e a flecha que o peito acerta, ferindo a alma, destruindo
poesias que viriam a ser, mas que nunca serão,

entre o pensamento e a escrita,
a fraqueza de ser humano, e sentir.
Pois fácil é sentir, difícil é esquecer o sentimento.

(O poeta é como Funes, o memorioso,
sabe que sente todos os sentimentos
mas não consegue deixá-los ir.

O poeta é uma enciclopédia inútil de verbetes amorosos.
O poeta é um verbete inútil numa enciclopédia de amores).

Novamente, dispenso o título


I-

Existe, no fundo do iceberg,
o incomum encontro de coisas
insignificantes.

Existe o inconcusso, pleno de retalhos
inconsumíveis.
Está lá o inebriante pesadelo dos mortais.

Existe o inexistente, e as dúvidas
corriqueiras, além dos meigos demônios
deste campo de concentração.

Não há o tempo, não há moralidade,
não há mesuras melindres dos poetas,
mas há o amor, a paixão, e os instintos.

II -

Nesta vida subliminar, existe
o pânico que toma forma no real,
antes ser um objeto inanimado
que ter alma, que ter que viver analisando,
sentindo, chorando, rindo, observando,
compreendendo, menosprezando, exaltando,
dificultando o que fácil deveria ser,
afinal,
quando o frio chegar, os seres de razão pura, como Kant diria,
perceberão que tudo poderia ser sim simples,
e que, sem volta, o tudo se vai,
sobrando somente a palidez dos lábios
e no outro, pensamentos de "e se...",

mas, do que mesmo falávamos?

 

21 de maio de 2016

Nota de rodapé, uma quase poesia

Indomável o coração deste vagabundo que lhes escreve.
Não é possível que tendo a possibilidade de viver feliz, com as damas
que tanto desejava, se fixe em pensamentos banais,
se prenda aos olhos daquela dama que já não mais lhe quer (leia-se "nunca quis")
Oh, triste nostalgia dos dias que nunca vivera ou viverá!
Poetas nasceram para o Sol mas insistem nos ritos de treva do amor,
tolos que são.




7 de maio de 2016

"Chuta que é Macumba"


Não poderia passar despercebido. Estava eu, cá com minha pirataria, fazendo o dito cujo download de algumas bandas que admiro (não me critiquem, me falta dinheiro para comprar todos os CDs que gostaria de possuir), e, sem intenção, na lista de músicas que salvei estava uma da Banda Gangrena Gasosa, do gênero "Saravá Metal" (esses tipos de Metal estranhos que só o Brasil produz).
A música se chama "Chuta que é Macumba", pessimamente cantada, ao meu ver, mas de uma letra perfeitamente cômica e realista. Decidi, não sei bem o motivo, publicá-la aqui (não recomendo mas pode ser escutada nessa PALAVRA):

Pode ser católico
Crente ou judeu
Muçulmano, Hare Krishna
Budista e até ateu
Quem tem cu tem medo
As preguinhas ficam tensas
Quando passa por despacho
Sempre pede uma licença
Ainda vem com aquele papo
Que é um cara que respeita
Mas fica todo cagado
Quando vê uma vela preta
Bagulho casca grossa
É quando o cara é macumbeiro
Que o terreiro é um puxadinho
Do lado do galinheiro
A macumba é tudo isso
E ainda faz pior
Quando pede só pecado
E recebe após o ebó
Tu já viu religião
Que ainda pede sacrifício?
Pra fazer o mal então
Fica ainda mais difícil

Religião que se aproxima
É a tal do Maomé
Se o malandro chuta a santa
Pode ficar sem o pé
Mas enquanto eles mandam
Mulher arrancar o grelo
Macumbeiro amarra o par
Sacrificando carneiro
Meu Exu acabou de comer
Pó parar de tremer
Chuta que é macumba!
Chuta que é macumba!
Meu Exu acabou de comer
Pó parar de tremer
Chuta que é macumba!
Chuta que é macumba!
Evangélico que é foda
Sempre luta com o diabo
Pra se fingir de possuído
Sempre tem um arrombado
Quem acredita nessa porra
Tem mais é que se foder
O crente acha que o capeta
Não tem mais o que fazer
Quem acredita nessa porra
Tem mais é que se foder
O crente acha que o capeta
Não tem mais o que fazer

Podem até achar legal
Quem bota cuia na moleira
Mas coloca uma guia
Tu se sente uma caveira
Te dichavam com mó nojo
Como se fosse um bode preto
Logo vem a crente véia
Que te entope de panfleto
Arranca a cabeça dela
E bota dentro de um saco
Joga na encruzilhada
Com dendê dentro do prato
Meu Exu acabou de comer
Pó parar de tremer
Chuta que é macumba!
Chuta que é macumba!
Meu Exu acabou de comer
Pó parar de tremer
Chuta que é macumba!
Chuta que é macumba!


Nome I

Que absurdo o nome:
desapropria a matéria
traindo o mistério.

O vocábulo consome:
torna a coisa, séria,
faz da vida, cemitério.

A palavra cria
e, no entanto, limita
o caos de pensamento.

Que é a poesia.
Apenas o que imita.
o ser tão turbulento?

Palavra é regra
e regra exige
exceção, desconstrução.

4 de maio de 2016

Coisa poética



Lá fora o nada coisa o inexistente
como o homem coisa o mundo.
Tipo o pássaro que quando coisa
sua coisa, pode voar naquela coisa azul.

Res.

Qualquer coisa pode coisar ou co-coisar
tudo é abundância, dança
a escassez sem vez na coisa humana.
Ai, e essa coisa poética, e o sentir
tão complexa coisa.

Procurar sentidos nas coisas
naquele e naquilo
é coisa que dói,
é coisa sentida de quilo,
dor fora de moda
coisada com muito estilo.

Aqui dentro o tudo coisa o resistente
coisa que nasce, coisa novamente.
Tudo criação dessa coisa Mente.






2 de maio de 2016

Ex-plicar



Se te amo é para todo sempre
até que a vírgula atue serelepe.

Se te amo, é, para todo sempre
até que a poesia recrie o amor.

Se te amo
é para todo
se.
Até que a filosofia questione.

O que é o sempre para o amor?
A alma sopra o sentido.

O sempre é a eternidade momentânea do desejo,
manifestado no querer;
o sempre só existe no ser, que, ao deixar de ser, inexistirá (a)o tempo.
Assim, se te amo sempre, é
até que o amor deixe de ser, e deixando de ser, o tempo inexistirá,
pois não existe o tempo para o que não-é.

E quanta explicação invento para fugir de uma promessa
ridícula promessa. Banal como qualquer outra.
O amor, esse energúmeno, obra diabólica do céu humano.

1 de maio de 2016

Eco sem logia



Falando queremos o eco
que o ego não soube calar,
fim dos tempos, temos um treco
se aquilo não for no momento
se aquele não chegar agora
e, uníssono, dissemos da hora
que passa voando,
quando
em verdade, não suportamos mais um segundo do hoje.

Mas, para todo hoje, um amanhã,
que promete ser diferente.
O tempo, amor, é indiferente,
para quem (não) tem a mente sã.

Eco, eco. Silêncio que sempre quis,
tanto procurei,  tanto procurarei,
sabendo estar, em baixo do meu nariz.