31 de maio de 2019

Vários de 1 só (linha tênue)




a loucura distorcida
se faz norma
e na orla esquecida
em si retorna

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O homem chora mar
    rio de lágrima correnteza
                      que          leva em dúvida
   qualquer          certeza


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Acima daquilo de baixo
tem só abismo
e do rico
                  pobre cinismo



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24 de maio de 2019

Rascunhos de um conto deixado de lado: o trivial



Encarou o espelho. Uma. Duas. Três vezes. Nada sentiu. O vento que batia pela janela misturava odores: um toque de café amargo com o requinte do caminhão de lixo. Pareceu sentir também algum incenso de canela, mas desconsiderou tal aroma. Bateu de frente ao espelho pela quarta vez. Olhava seus poucos fios de cabelo, exigentes por um banho; somente sentia ali a calvície do amanhã. Olhava as unhas a serem cortadas, e não tinha o menor ânimo. A barba a ser feita, tampouco lhe incomodara. As remelas nos olhos, quase lhe encaravam de volta, tamanha a preguiça de limpar o rosto.

Ao ver seu reflexo pela quinta vez resolveu se dar ao luxo de uma bela ducha de poucos segundos. O suficiente para lavar o corpo e pelos com sabão em pedra comprado a R$ 0,99 no mercadinho abandonado, na rua seguinte a sua casa. A água era pouca, mas maior que a vontade de ali estar. No chuveiro, pensava com clareza, "essa vida anônima ainda vai me matar". Possivelmente, errado não estaria.

Eram 04h35 da madrugada. A escuridão ainda banhava os moradores de rua e os gatos selvagens do bairro. O sono, tardou outra vez a aparecer. Sabe-se lá se viria. Deixando o roupão no caminho até a cozinha, gratificou-se com um copo de uísque já pronto - depois resmungou a qualidade do mesmo - e permaneceu alguns minutos na janela pensando como a vida era mesmo trivial.

Tola e trivial. E não era isso que a deixava simples e bela? O trivial era revestido, como quase tudo no humano, de uma falsa complexidade e uma pretensiosa descrição de superioridade. Mas não, na janela e em seus pensamentos, o que se sabia, é que era trivial. O leitor sabe o ponto em que me detenho. Quando faz seu café da madrugada, pronto a arriscar os pés na rua para mais um dia de trabalho, em meio ao nascer do Sol que nem se deitou, sabe do que estamos conversando. Era trivial. E parece ser ainda mais quando a gente se dá conta. E não parece?



21 de maio de 2019

Sem contornos



passamos assim
como os dias passam
como o frio passa
a escrever versos crus
sem formas e sem expectativas

deixamos de lado preocupações
o gosto do leitor deixa de ser relevante
- as vezes o sabor das palavras também

e uma manhã fria passa a ser somente
uma manhã fria

não há nada de mágico e os risos
pueris e os feitiços
se vão com a chuva, como todos
um dia sempre vão

18 de maio de 2019

Rascunho de todos



Nos rascunhos
os melhores versos
os mais saudosos
os bem marinados
as palavras lidas por um
e ninguém mais

nos rascunhos
poesias obscuras
a preencher vazios
espaços de solidão
contemplados
pelo silêncio
de ser de si
leitor e analista

nos rascunhos
tons mistos
de melancolia
e paz; conforto
e conformismo
a formar versos doces
de amarguras da vida.

Nos rascunhos, somente,
como no filme, os bastidores,
como na vida, a privada,
como filmes de herói, só que o gibi.

Nos rascunhos eus
de mim se revestem

14 de maio de 2019

Pré-vidência do óbvio



Não me faça sorrir aos que admiram astrólogos (leia-se Olavo de Carvalho e outros) e beijam videntes
A Lua só é encanto na poesia, o que mais quer que eu diga?
Aplaudir os sem pés nem cabeças, veja você mesmo, seus olhos.
A Nova Previdência não me parece uma providência. Ao menos não aos pobres.
Me parece sim, uma pré-vidência do apocalipse incontestável.

E isso não é poesia nem verso que mereça palmas. É silêncio burro,
de um povo que idolatra a quem agride e fere. É enxada nas costas.
Não tem rima não, Senhor Cidadão.
É cobra a devorar-se feliz, e cobra a trocar de pele.
Consequências? Jogue na mesa as cartas. E não se engane.
Vá um pouquinho só além dos discursinhos do liberalismo bobo, que nem
liberalismo isso é.

Ou não.
Vá ver vídeo de astrólogo metido a filósofo.
Vá escutar soma de chocolates educacionais.
Vá lamber a bota dos soldados estadounidenses.
Ou "dar tiros em ursos", brow.
E repita. Repita com gosto todas as pragas.
Que a consequência, um dia, chega até ti.


E chega...

12 de maio de 2019

Sabor e ar



Sensação estranha de rio parado
peixes boiando em meio ao bolor
mas não há cheiro, tudo estático
as nuvens não mostram formas
e não há barquinhos a caçar.

Sensação estranha de clima misto
não sabe se chove, se vendaval, ou
se o sol raia na cabeça do galo,
não parece decidir tão cedo, nem
se sabe se é dia ou noite aqui.

Sensação estranha de que há algo
a ser feito e um ócio a ser contemplado
mas sem que se possa afirmar
um ou outro estado, sem que se deseje
aquilo ou aquele, nem.

Sensação estranha de um fruto
que não sabe se maduro ou se podre
o verde pode ser musgo ou colhido
cedo demais, deixa a dúvida
aos olhos de quem passa.

11 de maio de 2019

Lúpulo



mudam os timbres
tudo tem mudado
jeitos melindres

sonho estar contigo
ser teu corpo
bem mais que amigo

enquanto lua contemplo
fazer de ti minha deusa
de teu sorriso um templo

e rir do teu riso
mulher; sem mais
de que mais preciso?

a beira de um rio
preencher o vazio
ignorar o restante

você, uma garrafa de cerveja
a misturar meu lábio com a divindade
lúpulo e amor
paixão e malte
a bebida gelada
o corpo quente

e encontrar o equilíbrio
que nem conhecemos

fugir daqui, fugir daqui,
vai dizer que não quer? quem não quer
fugir daqui
ir com o rio, corpo a encher de água
corpo a livrar-se da mágoa, gotas
fugir daqui, fugir daqui, vai não?

8 de maio de 2019

A hipótese de gaia. O que será que?



O que será que? O que será que pensará?
Na sombra de pensamentos, na sobra deles,
rodeiam os carnívoros receios, floridos
a chamar a atenção dos passantes. O que será que?

A avenida não tem fim, ela acaba no começo
cada passo um dilema a reconsiderar
a música não tem fim, ela acaba no começo
a canção? Ludovic. "Eu fiz pouco caso de um gênio", é o que tocava.
O que será que?

O suor, gota por gota, escorrendo para lugar algum
Devo eu me evaporar de mim?
Poeira cósmica. Carbono por carbono. E a seleção por consequências
em três níveis (biológico, social e individual) a dependurar
o que nesse exato momento chamo de "eu". Santo Darwin!
Bendito Skinner! Oh, J.A.D. Abib! O céu rosado, a confundir
tons de azul e amarelo. O que será que?

Recuo.

Não há "eu" ali. Sou-me-mundo. Sou mesmo o azul do céu e do mar,
sou o mendigo que passa faminto enquanto outro de mim devora
dólares. Caos é meu nome. O que será que?
E no meio da relação sexual, sou eu próprio a me adentrar, e a dor
que quaisquer sentir, é a dor que sinto.

Recuo.

No fim do percurso, da longa e tão leve caminhada, revelo: não
não sou nada disso. Não há eu. Há nós e nós nessa linha.
O egoísmo é que funda o conceito de eu, o conceito de individualismo.
Não há nada tão delimitado assim. Pois se vivo, o mundo vive,
e se morro, permaneço em movimento no que deixo.
O que será que deixo? A vida não tem fim, ela acaba no começo;
só há então o que houver de relação.

Hipótese de Gaia.
 

7 de maio de 2019

relações entre operantes verbais e três níveis de seleção: sentimentos



é a ironia a deusa dos mares
com suas ondas de vai e vem
a inebriar o corpo que repousa em ti

como o deboche, senhor do tempo,
não há tormento que impeça
a humanidade de ser feliz em seu descaso

eis ali, ao Sol, o escárnio
a arrebatar aos céus
o que de mais podre há na felicidade

e em seu banho de Lua, a angústia
entravada com o prazer, ambos a denunciar
a todos e todas seus movimentos
que não respeitam a métrica poética e é isso

sempre.

5 de maio de 2019

Vaiver pq ñ?



coisas que não
se fossem talvez
seriam sempre
só uma vez

eternos instantes
tempo nem
quando sabe se lá
só sei quem

vaiver
há menos
olhos
é visto
vaiver
insisto

claro
dentro
fora
dentro
fora
fora
fora
o que se pensa
algo mais?

o ângulo
é hipótese
um dia dá
(pensei)

de costas
há olhos
(eu sei)

2 de maio de 2019

Luta de classes e crases



Não compre peixe
na feira dos ninguém
o podre que vai e vem
impressiona que se deixe
ver e ser visto

E é uma maravilha
quem se enche de gente
pra viver numa ilha
daquilo que só é aparente

Se esconde na profundeza
do mundão superficial
depois diz que é uma tristeza
ver na rua tanto marginal

Engana só quem gosta
de comer bosta
achando ser caviar

no fim das contas (que rico não paga)
respiram todos o mesmo ar

uns mais quentes
outros condicionados
outros mais, ausentes,
e os pobri morrendo
nos cantos, nos lados.