27 de novembro de 2017

Sem Cerimônia II



22h37;
um membro da família morre
o toque do telefone é sempre fúnebre
mas dessa vez anuncia: "ele morreu".

O cômico é o egoísmo dos vivos sobre a morte alheia.
Todo mundo muda. Se sensibiliza com o partir dessa para nenhuma mais.
Todos choram.
Em vida, o sujeito não recebia sorrisos.
Era só mais um.
Era só um vivo.

Até que ponto a sensibilidade ao ouvir sobre a morte de um membro da família
é sensibilidade para o morto?
tenho pensado o contrário; é mera questão de se sensibilizar
para não chegar na cerimônia fúnebre sem olhos encharcados.
É egoísmo velado velando o sujeito, velando o tempo e as possibilidades esvaídas.

Ir a um enterro sem o choro e a sensibilidade
é chegar em festa sem presente para o aniversariante.
Ir a um enterro é desenterrar os sentimentos
não por conta da morte; mas por conta dos que ali estão
enaltecendo os familiares mais próximos
(que em vida tendem a ser as pessoas mais distantes do morto).

Não me tira a ideia
que enterro é só um momento
para a família saber quais são
os vivos
e os próximos
candidatos à decomposição.

Mas ninguém nota
que são os vivos 
que se decompõem?

Aos mortos, nada cabe.
Não há fim. O morto não sabe que morreu.
Não há no morto qualquer comportamento.
Não há no morto qualquer variabilidade.
Não há no morto quaisquer sensações.

O vazio da morte cabe aos vivos.
A extinção dos comportamentos de um morto
é motivo para o vivo refletir sobre os próprios comportamentos.

E viver mais para si; menos para o caixão.

Todavia. Como toda cerimônia,
a morte e as festividades que a cercam
quase anulam essa reflexões;
servem apenas para manter a tradição.

A morte acaba por ser um mero modismo.
A morte acaba por ser uma convenção.
A morte acaba por ser uma tradição dos mortos-vivos.


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