28 de julho de 2019

O leitor de Kardec



Que a madrugada seja longa, não é novidade,
naquela impaciência de um fumante em abstinência
vão os olhos de um canto ao outro, em desespero,
procurando uma posição na cama em que o pensamento encoste
e deixe de incomodar.

A televisão da velha ainda está ligada, o vizinho
ainda fuma sua erva com tranquilidade. Os gatos, felizes.
O vento sopra frio, ainda que esteja tudo abafado.
A velha, ronca seu terceiro sono. A neta, ali com seu bruxismo.
O neto, após um episódio de uma série qualquer, dorme.
Meus amigos...alguns embriagados, outros dementes, um ainda,
internado no hospital decadente. O vejo amanhã, antes da morte.

Penso no rancho. Nos seus insetos horripilantes. Faz falta.
Nessa mesma condição, estaria desenhando com meus olhos
o rio calmo, sem humanos a lhe enfeitar. Sons de pássaros,
a mãe-da-lua, assustando a tudo e a todos com seu "fui, fui, fui".
Mas nunca vi curupira. Lobisomem e espírito, já.

E a insônia me batiza novamente.
As oito voltas na pista de caminhada do bairro, não esgotaram;
amanhã serão dez, e meus joelhos implorando por descanso.
Quase oitenta anos, se é que preciso falar de tempo. Tempo...
uma mera invenção humana para notabilizar a dor
que vai do Sol até a Lua e da Lua até o Sol.
 
Por fim, fumo um cigarro, relaxo,
e me deixo levar pelo onírico.

27 de julho de 2019

Forrar a hostias



Crer.
Verbo duro, sem forma.
Verbo divisor de mágoas.
Verbo descrente em sua figuração.

Crer.
É preciso?
Descrer?
Para que?

Ajoelhai-vos
no altar
a hóstia
da indiferença

servida a todos
que não se afundam
em crenças ou em descrenças
 

23 de julho de 2019

Notas do esquecido rascunho



E quando foi que versos outorgados em cartório
valeram mais que uma canção de fundo de quintal?
Quando foi que o bilhete premiado
se tornou mais relevante do que as notas distorcidas na garagem velha e inacabada?
Quando foi que a fumaça de meu incenso cedeu
aos tempos devastadores da modernidade?
Ou mesmo aos meus instintos?

As pequenas motivações rotineiras afogaram-se em troca de algo mais?
Quando? Eu não me lembro. Não me recordo
da primeira vez que o álcool me agradou. Não me recordo
quando ter outra sombra na luz foi tão forte.
Não lembro o dia em que comecei a sentir esse frio.
Esse receio do ônibus atrasar vinte minutos.
Esses atrasos, há um tempo que não lembro, eram sinônimo de quatro músicas a mais,
de prazer.

Quando foi que minhas anotações tomaram o poder e
minhas memórias foram despejadas no tribunal do papel?
Agenda? Amanhã? Planejamentos? Onde estive hoje?



E eis esse eu, relendo rascunho de um ano atrás,
e terminando hoje palavras marinadas

21 de julho de 2019

O velho



"Entre a madrugada e o risco de luz
dorme o pensamento desgastante,
os sonhos brotam e sorrisos nus
cintilam felicidade por um instante;

noite interminável rindo de desgraça
transita o homem em seu pesadelo.
O frio que nunca passa
até que alguém deixe de percebe-lo.

Ruídos atiçam o ouvido
ratos mastigam dores.
Ressurge o esquecido
no rufar dos tambores.

É sempre frio lá fora
o fogo é raridade na escuridão".

O velho silencia e se escora
na sua própria solidão.
 
 

15 de julho de 2019

"Conciliação" pragmatista entre eus (III)



Dói. Angústia de sei lá o quê.
Machuca. Desamparo constante.
Nó na garganta, sorriso fingido.
Poucos goles de café, o dia todo.
Boca amargada; distância.

Sou o rato no laboratório.
O experimentador retira a barra
retira a água, retira o controle de temperatura,
retira as pelotas de alimento.
Mas, não específica o comportamento
que devo manter.

Rumando uma conciliação
entre as partes do que chamo de "eu"
fico em volta e meia, de um canto para outro,
do trabalho para o estudo,
da cama para o chuveiro,
do gole de vinho ao copo de água,
da sua ausência para a minha.

A gaita, triste nas notas abafadas,
perpassa o canto do Urutau e,
fica nisso.
Mas, de vez em quando, esqueço
e, evitando minha própria cilada,
sorrio comigo.





 


 

12 de julho de 2019

"Conciliação" pragmatista entre eus (II)



Desfazer-se e ser de si, um mero ouvinte.
Na avenida, me observo sendo aquilo que nem sei.
Definir-se? Algo complicado e de pouca precisão.
"Comum". Essa é a palavra que gostaria de ouvir.
Um amigo disse que ser "medíocre" é o ápice.
Sempre concordei. A média basta.

Mas sempre tem o lado egoísta, o lado voraz,
insatisfeito com o de sempre. E sempre tem
o lado egoísta que quer suicidar o lado egoísta.
Deseja sufocar, aos poucos, a parte que sente algo.
Mas, soltando os dedos, deixa respirar no último segundo.
No fundo, sabe que não deve manter um lado só da moeda,
pois ela deixa de ser uma moeda.

E tem a parte que concilia tudo,
que, desgastada, se põe ao trabalho.
Serrote nas mãos.
De início, parece derrubar a árvore...
Tesoura de poda.
Ornando, em movimentos, seus traços.
E lá está, diminuída, simples, mas em pé,
a árvore com seus novos traços.

Analogias e metáforas, bem,
isso nunca foi meu forte.



11 de julho de 2019

"Conciliação" pragmatista entre eus




Despido da moralidade imposta, sou humano,
com pitadas amargas de sentimentos; sou,
e sempre fui, para ser sincero, muito menos racional que pareço.
Essa carcaça de razão impenetrável é apenas uma capa de chuva,
dessas descartáveis, de lojinhas do centro.

O eu emocional, em versos tão presente, se camufla
nos emaranhados do cotidiano, em paredes invisíveis e de isolamento acústico,
permeada de multidão e naquela sensação tão documentada de estar entre outros e se ver só.

No frigir dos ovos, o eu pragmatista impede o caos,
impede que a desordem seja notada; beira o ridículo, mas é suficiente.



 

10 de julho de 2019

Haikaos II



daquilo que nunca foi
nem pingo nem chuva
molhar é que não vai
========================

o pássaro escuro
pula o muro
chega em romã
=====================

me diz quanto
que te digo se,
contudo, portanto
==================


nunca vi estrela
a não ser no mundinho
de minha janela
================


dorme, fria noite,
que lá vem o dia
despertar com açoite
================ 



 

 

8 de julho de 2019

Divindade



Medo de mudança, daquilo que é novo
me sinto um primata descobrindo o fogo
descobrindo a ausência da combustão
e grito igual um. Não sou deus de meus comportamentos,
de meus pensamentos, de minhas intenções.
Sou um X na imensidão de variáveis, só um X.

E essa sensação de tudo controlar, de tudo
estar ao meu alcance. Não altero o tempo.
Não altero os calafrios e rios dos olhos.
As navegações e as cruzadas dos meus dias.
A cruz que carrego (leve) e parece doer.

Tudo. Tudo isso se esvai num momento,
o próprio drama dos versos, desaparece
como que se nunca tivesse existido; e lutar
contra o óbvio é o que mais fazemos.

O baixo astral que escreve as manhãs pausa
no gole amargo do café, que deixa viver.
O que quero para hoje - posso pensar - o que quero?
Decido por nada querer. Espero pacientemente
as coisas se resolverem.
Me noto sendo um observador dos meus gestos.
Noto que me evito. Noto que me estrangulo.
Noto que a felicidade é fingimento que machuca.
Noto que aquele rock pesado, não mais me agrada.
Noto que dias intensos não possuem sentido.

Por quantos segundos o espelho encara?
Por quantos segundos suporta se notar?
Por quantos segundos?

E a solidão, por vezes, é uma dádiva, uma companheira,
que ensina com método próprio.
Basta aprender a conviver consigo próprio. Paciência,
deus é o tempo. Não é substância, criador ou criação.

É o tempo. O conceito mais absurdo que o homem
permitiu conhecer.
 
 

5 de julho de 2019

Dicionário: "Oscilar" é um verbo intransitivo que expressa um movimento alternado em sentidos opostos.


I-

Coisas do dia, aquilo que passa
pensou sozinho, sentado em pranto,
no desespero madrugado em solidão,

ela também, ali, no seu canto
enchia os olhos daquilo que não é suor,
ainda tinham algo em comum.

Do seu sentimento, ele quase esqueceu
e o mundo sempre faz lembrar
daquilo que calado ficou

ela, ao contrário, queria esquecer
mas tentar esquecer é se recordar
sofrer daquilo que não morre

Ele, tomou um gole de café amargo
tentava se erguer, de si, quase esqueceu,
a vida, suas cores, era apenas cinza.

Ela, se aqueceu e quis caminhar,
aos tropeços, era forte, de si, se lembrou,
em busca de cores e tons variados.


II-

Atrás / Além



III -

Fazia frio e incenso.
absorva e absolva
palavras tão próximas.


No fim, sou eu,
nevando no deserto
de frases soltas.





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4 de julho de 2019

Haikaos



lá fora agora chove
o pingo cai
e a planta se comove

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quanto de Sol
há na valsa
da solidão?




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insistindo em
tentando com
sofrendo sem


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pra onde vai
a água do olho
que não sai?

Entre pedras e perdas





Vi pedra chorar.
Pedra demonstrar alma.
Pedra berrar silenciosamente.

Pedrinha que tem segurado
o muro de Berlim inteiro
a Cordilheira dos Andes
e o peso dos segundos.

Dessas pedrinhas que a gente
passando sem pretensão pela rua
esbarra e vai chutando ou arremessando
até cair no bueiro. Sabem?

Essa daí. Eu vi chorar.

1 de julho de 2019

Adelino Simioni. To English read.

 
 
- Simioni is not that!
it's not the place
it's not the junction of streets
it's not just a neighborhood
not;

The simioni is someone
that inhabits the body
and never leaves alone

there is food
but do not have
iFood