23 de julho de 2019

Notas do esquecido rascunho



E quando foi que versos outorgados em cartório
valeram mais que uma canção de fundo de quintal?
Quando foi que o bilhete premiado
se tornou mais relevante do que as notas distorcidas na garagem velha e inacabada?
Quando foi que a fumaça de meu incenso cedeu
aos tempos devastadores da modernidade?
Ou mesmo aos meus instintos?

As pequenas motivações rotineiras afogaram-se em troca de algo mais?
Quando? Eu não me lembro. Não me recordo
da primeira vez que o álcool me agradou. Não me recordo
quando ter outra sombra na luz foi tão forte.
Não lembro o dia em que comecei a sentir esse frio.
Esse receio do ônibus atrasar vinte minutos.
Esses atrasos, há um tempo que não lembro, eram sinônimo de quatro músicas a mais,
de prazer.

Quando foi que minhas anotações tomaram o poder e
minhas memórias foram despejadas no tribunal do papel?
Agenda? Amanhã? Planejamentos? Onde estive hoje?



E eis esse eu, relendo rascunho de um ano atrás,
e terminando hoje palavras marinadas

2 comentários:

  1. "Esses atrasos, há um tempo que não lembro, eram sinônimo de quatro músicas a mais, de prazer". Muito bom. Vou publicá-lo no Marreta, com os devidos créditos.
    Só algo me preocupa, ou, mais ainda, me causa curiosidade : se você já sente - se sente - isso tudo hoje, com bem menos de 30 de idade, o que sentirá, como resistirá, quando passar, feito eu, dos cinquenta?

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    1. Penso que, se passar dos 50, já está feita a prova de resistência. Como? Sabe se lá como...

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