30 de abril de 2017

Reforma trabalhista, coerção, análise do comportamento e coisas mais


"A coerção não somente gerará e sustentará diferentes tipos de fuga, mas também fará com que nos esquivemos"
- Murray Sidman, no livro Coerção e Suas implicações, pg. 136

As constantes problemáticas enfrentadas no nosso País, me fazem refletir um pouco a respeito de como nosso governo se utiliza excessivamente da coerção para conseguir suas metas. Não é de hoje que as polêmicas envolvendo questões de aposentadoria e direitos trabalhistas estão em pauta, menos ainda os desvios de bilhões de reais por parte dos que deveriam proteger e que foram eleitos para construir normas e leis que pudessem melhorar a qualidade de vida da população.
Sim, nosso governo é caótico. Não há uma adequada administração, não há aplicação real em educação e lazer, não há. Esse texto objetiva ir um pouco além das picuinhas entre direita e esquerda. Já dizia o músico Tom Zé, "meu coração fundamentalista, pede socorro aos intelectuais, pois a diferença entre esquerda e direita, já foi muito claro, hoje não é mais". Quem se limita a questionar partidos, definir lados, e xingar o voto alheio, não entendeu, definitivamente, o mínimo dos problemas que o país tem enfrentado. O problema não é uma única pessoa, algo que tem sido constante nos termos midiáticos. A questão não é Dilma, Lula, Temer. Esses são apenas marionetes de um jogo político e econômico, onde os interesses dos Bancos e Empresas estão muito acima de qualquer outro. Todo deputado, todo senador, e não vejo porque abrir exceções, representa, no seu discurso, o investimento de determinada empresa que comprou seu cargo. O que quero dizer com isso? Que as empresas investem nos políticos, para que o marketing desses seja bem-sucedido, e nós, peças de um jogo de xadrez, vamos lá, votamos, e voltamos para nossas casas, acompanhamos a apuração de votos de eleições já definidas. Aí então, quando surgem projetos de leis, os políticos votam, mas de certa forma, quem vota é a empresa, os bancos, os donos do capital. Mas isso não é novidade, aliás, é amplamente previsível, conforme apurado pelo jornal Estadão, em 2014, o gasto com campanhas políticas bateram recorde na história brasileira, chegando a 5 bilhões. A revista Congresso em Foco, aponta um levantamento sobre aposentadoria parlamentar, o Instituto de Previdência dos Congressistas, uma espécie de organização que paga aposentadoria para políticos que trabalharam mais de oito anos no cargo, já chegou ao valor gasto de 2 bilhões, nesse século.
Quanto a modificações na constituição e outras medidas, não vemos problema nisso, desde que não nos afete. E tendo em vista que a maioria dos projetos e acordos afetam grupos minoritários ou já desfavorecidos, achamos que tudo está "muito bem, obrigado", e é até compreensível. Afinal, para que a população exerça o contracontrole, ou seja, para que vá contra os comportamentos dos governantes, é necessário algo muito problemático, algo que fira não só um pequeno contingente de pessoas, mas toda uma classe. Além de conhecimento dos próprios direitos. Tendo em vista o baixo repertório adquirido nas escolas, e em outros núcleos de aprendizagem, é característico que a população não adote uma postura de questionamento com mudanças significativas.
Estando a reforma trabalhista em pauta, as coisas começam a mudar um pouco, o interesse pelo tema é de grande maioria, pois nos afeta, imensamente. Principalmente o grande contingente populacional brasileiro, a classe média.
E o que a Análise do Comportamento tem com isso? Bem, se mais pessoas tivessem acesso e fossem reforçadas pelo conhecimento, pelo estudo, e abandonassem o papinho de liberdade, "de agir por querer", talvez algo estivesse um pouco diferente. Não que a Análise do Comportamento ofereça todas as respostas. Mas o Behaviorismo, enquanto filosofia baseada na postura Determinista, não será usado para colocar culpa em alguém ou acusar quem está certo ou errado, se uma medida é boa ou não.
O importante é conhecer as variáveis, saber manipulá-las, prever comportamentos, e controlá-los. No caso da população frente as medidas governamentais, quando prejudiciais, exercer o contracontrole, tendo autoconhecimento e conhecimento do que está em pauta.
Um povo que conhece seus direitos e deveres, nada mais é do que um povo que sabe discriminar variáveis, pode argumentar e lutar pelo bem comum, e que não se limita a desprezar projetos de leis com base somente no que afetará uma ou outra pessoa.
Diversos questionamentos podem e devem ser feitos as medidas adotadas pelo governo em questão. A primeira delas é a de que todas as medidas importantes, que alteram drasticamente as leis em rigor, foram votadas como medidas provisórias ou como lei em regime de urgência, o que impede que a população possa ter acesso ao que está sendo modificado, e por consequência, impede movimentos contra essas mudanças. Para não deixar em branco, alguns projetos que foram votados rapidamente, no escuro: Emenda Constitucional n° 95, que congela por vinte anos os gastos públicos, incluindo recursos para a educação e saúde, o corte de repasse para a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), a extinção do ministério do Desenvolvimento Agrário, além da própria reforma trabalhista, indo de acordo ao que foi lido na matéria “A desconstituição ética, moral, cultural e institucional do Estado”, no Le Monde Diplomatique.
Os líderes e demais membros dos governos brasileiros, ao menos das duas últimas décadas, não sabem agir de forma ponderada. Vale citar um trecho do livro O Príncipe, de Maquiavel, dizendo que se “deve estimular seus cidadãos para que estes possam tranquilamente exercer suas atividades, tanto no comércio quanto na agricultura, de sorte que o lavrador embeleça a sua propriedade sem o temor de vê-la ser-lhe confiscada, e que o negociante instaure seu comércio sem sentir-se ameaçado pelos impostos” (p. 130-131).
Quando leis são usadas para o benefício de poucos em detrimento dos esforços da maioria, e ainda mais quando se retira direitos já conquistados, o governo não pode esperar algo além do contracontrole. Ainda usando do livro de Maquiavel, podemos citar a relação de uso da força, “devemos saber que existem dois modos de combater: um, com as leis; o outro, com a força. Porém, como o primeiro, muitas vezes, se mostra insuficiente, impõe-se um recurso ao segundo” (pg. 99). É nítido o uso da força pelo Governo. Nas diversas manifestações que ocorreram nos últimos dois anos, o uso de poder militar contra manifestantes, e o apelo ao discurso da intolerância, foi a prática comportamental sustentada pelos líderes. É óbvio que isso, a longo prazo, é um tiro no próprio pé. Conforme Murray Sidman, no livro Coerção e suas implicações, “dentro de uma comunidade, fortalecer a força policial apenas intensifica o conflito” (pg. 236), gerando maior desconfiança dos eleitores, indivíduos de direitos, perante sua própria instituição administradora.
É de praxe o conhecimento de que, na maioria dos governos dos países que compõem a América do Sul, a prática governamental é de caráter punitivo. Ou seja, não se dispõe contingências reforçadoras para os indivíduos que agem dentro da lei, que auxiliam no desenvolvimento da nação, apenas se pune o comportamento do transgressor, com privação de liberdade ou com estimulações aversivas, como multas, penas alternativas, etc.
Não é que se dispõe de poucos recursos para prever os comportamentos de infração, mas que não se faz nada a respeito de possibilitar que essas pessoas/grupos possam desenvolver outros repertórios comportamentais, algo que reforçadores educacionais e práticas esportivas poderiam beneficiar. A prevenção só é possível com a previsão das variáveis que levam os cidadãos a agirem contra a lei, e o controle de medidas alternativas a própria punição. Mas, como não é o caso do Brasil, as coisas por aqui funcionam na base da coerção. Se pune o indivíduo, e o julgamento crítico da sociedade quanto ao conceito de justiça se baseia no “agiu porque quis”. Conforme matéria da revista Carta Capital, “o País é o segundo que mais prendeu em 15 anos, mas continua sendo recordista de homicídios”, o que destaca a ineficácia de medidas punitivas.
Skinner, no livro Ciência e Comportamento Humano destaca que “um código (lei) sustenta o comportamento verbal que preenche as lacunas entre aspectos de punição e o comportamento de outros” (pg. 192). Tendo em vista a argumentação, a lei só seria eficaz se outras medidas fossem programadas, como educação de qualidade, áreas de lazer e tempo para lazer, hospitais e medidas em saúde, projetos culturais, etc. Como se sabe que pouco desses fatores são dispostos no ambiente social, e quando são, segregam a população detentora de bens da que pouco possui, não é de se esperar outra coisa que não a ineficiência das leis, do abuso de autoridade, e do desconhecimento e implicações ruins de medidas tomadas sem consulta à população, como é o caso da Reforma Trabalhista.
Conforme Sidman, ainda no livro já citado, “somente alterando as contingências, as interações entre conduta e ambiente por meio das quais as leis comportamentais operam, começaremos a ver a cooperação substituir o contracontrole” (p. 237).
O trabalhador possui recursos para ir contra a reforma trabalhista, seja através da greve, da luta sindical, das mobilizações, seja por meio do diálogo e dos debates sobre esses assuntos. Algumas das partes mais absurdas a que pude ler na proposta de reforma trabalhista (o link da proposta na íntegra está nas referências) estão inclusas as modificações do tempo de trabalho para aposentadoria, os benefícios que não serão retirados da classe política, as questões de teletrabalho, o aumento da carga máxima de serviço diário, e o principal, que considero, a questão de as “normas” das empresas estarem acima da própria constituição, ou seja, a reforma trabalhista acaba sendo um aniquilamento de boa parte dos direitos já estabelecidos, além de que, provavelmente, gerarão danos na sociedade.
Levando em conta que nada até o presente momento foi feito em prol da sociedade, como um todo, nada me faz pensar que o dinheiro economizado com a aposentadoria dos brasileiros seja usado para aplicação em áreas fundamentais, como saúde, educação, lazer e redução de taxas de juros.
Outra observação, é que qualquer cidadão semi-letrado consegue entender que a expectativa média de vida do homem brasileiro, estando em 71,9 anos, e a aposentadoria integral sendo possível apenas para aqueles que terão 70 anos, é nítido que os que dispõem de menores benefícios de saúde e lazer, não atingirão a aposentadoria e, trabalharão a vida inteira pagando para o governo algo que não terá retorno. Sendo por demais otimista, podemos prever que 50% da população brasileira viverá para receber a digna aposentadoria. Ou seja, sobrará verba no caixa governamental em relação a esse quesito. O que será feito com a verba? Será utilizada para cobrir os desvios de caixa, tão recorrentes, além de pagar juros da dívida pública, que só aumentam por péssima administração dos recursos.
Para fechar, vale citar um trecho do poema Verão, de Ferreira Gullar, “e a luta de resistência se trava em todo lugar: por cima dos edifícios, por sobre as águas do mar”, e complementar com a afirmativa de Leandro Konder, no livro Marxismo e Alienação, “a totalidade da economia capitalista se torna ininteligível até para os seus beneficiários” (p. 137).

Referências utilizadas:

CAMARA DOS DEPUTADOS. Reforma Trabalhista. Disponível em: <www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2122076 (lei de reforma trabalhista) >. Acesso em: 29 abr. 2017;
CARTA CAPITAL. Se cadeia resolvesse. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/revista/838/se-cadeia-resolvesse-4312.html>. Acesso em: 29 abr. 2017;
CONGRESSO EM FOCO. Caixa preta da aposentadoria política. Disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/abrimos-a-caixa-preta-da-aposentadoria-dos-politicos/>. Acesso em: 30 abr. 2017;
DIPLOMATIQUE. Desconstituição do estado. Disponível em: <http://diplomatique.org.br/a-desconstituicao-etica-moral-cultural-e-institucional-do-estado/>. Acesso em: 30 abr. 2017;
ESTADAO. Campanhas políticas gastaram 5 bilhões em 2014. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,campanhas-gastaram-r-5-bilhoes-em-2014-imp-,1600362>. Acesso em: 30 abr. 2017;
IBGE. Tábua completa de mortalidade para o Brasil – 201 5. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Tabuas_Completas_de_Mortalidade/Tabuas_Completas_de_Mortalidade_2015/tabua_de_mortalidade_analise.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2017;
KONDER, Leandro. Marxismo e Ideologia: Contribuição para um estudo do conceito marxista de alienação. 2 ed. SP: Editora expressão popular, 2009. 131 p.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 1 ed. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2002. 99-130-131 p.;
SIDMAN, Murray. Coerção e suas Implicações. São Paulo: Editora Livro Pleno, 2009. p. 236-237;
SKINNER, Frederic Burrhus. Ciência e comportamento humano: Science and human behavior. 2 ed. SP: Edart São Paulo, 1971. p. 192.


(texto de origem própria, elaborado para o blog de Análise do Comportamento que colaboro, Blog de Análise do Comportamento )

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