9 de abril de 2017

A revolta dos Dândis (III)


Poema de criação própria, baseado na música Guardas da Fronteira, de Humberto Gessinger e Maltz:


Não era para ser assim, ele pensava, enquanto sua televisão
choramingava afeto, em um canal qualquer para qualquer pessoa.
Nos últimos anos se perguntava de maneira insistente
qual seria a razão do mundo viver assim, sempre em guerra?
Suas filosofias, beirando ao irracionalismo, haviam se modificado
passara a questionar o que via, e então, deixou de ver boa parte.
O piloto automático havia tomado seu lugar, mas de uns tempos pra cá
o comando não lhe foi tirado.

Já não perdia tempo com jornais, tampouco com novelas
não tinha saco para aturar propagandas, vivia com o básico.
De tecnologia, somente o necessário para poder se ter identidade
no estupro midiático dos dias atuais. Um meio de se estudar,
de trabalhar as vezes, de ler e perder algum tempo com blogs.

Não era para ser assim, ele pensava, mas já não ousava
dizer qualquer sinônimo da palavra "liberdade".
Não havia isso. Pura hipocrisia de quem segue com olhos vendados
vendidos, fechados. Liberdade era irracionalidade. Era balela
(anti) filosófica. Ninguém faz algo por simplesmente querer fazer.
Não mais se via na obrigação de culpar ou de reconhecer mérito.

Simplesmente as coisas aconteciam porque aconteciam.
Qualquer formulação hipotética contrariava a observação dos fatos.
"É assim que o mundo que nos cerca, nos cerca muito bem", escutava
numa canção antiga.
Pois bem, ele pensava, não era para ser assim, mas a única forma
de deixar que assim fosse, era reconhecer que assim era.
E por quê? Pensava.

Navios de guerra se aproximavam um do outro, países em autodestruição.
É fácil apertar o botão de "tocar o foda-se" quando as consequências
não recaem sobre a própria pele, pensava.
São uns vermes, dizia.

O noticiário lhe era tedioso. Não era necessário vê-los para saber
que o mundo acordaria em pura desgraça, mais uma vez.
Foi então que atirou sua TV pela janela.

Após uma semana, reconheceu que até os Guardas da Fronteira,
os donos do mundo, como se diz por aí, eram cegos.
Sim, por quê caralhos agiam assim? Destruir, destruir, destruir, para lucrar.
Não fazia o menor sentido.

Os guardas da fronteira eram cegos, repetia.
Os guardas da fronteira somos nós mesmos.
Que me importa a política? que me importa
o me importar? que me importa a moral?
Que me importa a religião? As bombas que caem
em cidades fantasmas. As bombas que caem
em cidades cheias de gente, futuras cidades fantasmas?

O pior é que se importava, e se sentia impotente.
Sabia da inexistência de qualquer divindade, negava-a ao menos.
Mas sabia da existência de uma afirmação:
quando o homem tenta brincar de deus, coisa boa
não há de sair.

Mas que culpa tinham?
"eles não sabem o que fazem"
já dizia um judeu a tanto tempo atrás,
"eles não sabem o que fazem".

Talvez não saibam, talvez até saibam
só não sabem como parar.
E como diz a canção
"E é assim que eles fazem
e fazem muito bem".

Destruir, destruir, destruir.

Repetia.
Resolveu se desligar disso tudo por um tempo
ligou seu som, tocando Tom Zé,
e encarou o espelho, que parecia não refletir
a realidade.

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