28 de janeiro de 2017

Espinhos de plástico


Aquele rosto, que aos poucos misturou-se ao teu
se dissolve. Torna-se dois, novamente. Em verdade, sempre
foram dois rostos, duas máscaras que tentavam se enganar
fingindo um ao outro, sincrônica e falsamente, sorrisos
tão reais quanto o pó na cara das mulheres (e alguns homens)
tão reais quanto a planta da dona de casa de vinte e um anos, que não sabe
cuidar nem de enfeites artificiais.

Também as rosas artificiais morrem de sede.

Aquele rosto, distante, frio e tão esquisito (para não dizer mais)
é a face de quem lhe jurou a eternidade, lhe jurou amor.
Aquele rosto, do passado em diante, será apenas um na multidão
mas sempre, memorável. Coisa que o tempo há de curar
ou de enfiar uma faca na corte, para ver o quão forte és.
E pensa que perde algo? Que perde alguém? Pois não engane,
perdendo um dígito numérico, se ganha as nuvens e as estrelas,
se ganha os bares, os destinos, os beijos, as carícias, as mordidas,
se ganha as portas que se abrem (e se abrem!),

e
se ganha
a solidão, por vezes,
companheira desejada,
por vezes,
um drinque com o silêncio,
se ganha noites pensativas
se ganha o desejo de não querer ter ganho
nada.

E o maldito diabo que não sopra aos ouvidos
é o que incomoda.

Também as rosas artificiais morrem de sede,
e os espinhos de plástico, ferem.


 

2 comentários:

  1. Sempre ouvi dizer que "as flores de plástico não morrem"

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    1. Eu não chamaria de "vida" se deixasse de ser notado, visto, ou de importar...

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Comente. Sempre é conveniente.