26 de dezembro de 2016

Conto (O primeiro e talvez o último)

     

        Oh sim, eles estavam lá fora, esperando ansiosamente por nós! Mas não somos tolos, nos protegeremos com nossas forças, que no momento é o nada fazer. Pensam que podem invadir nossas casas, adentrando no nosso ambiente por meio de chaminés? Não, não e não. Não temos chaminés. E jamais teremos. Tentarão então nos vencer com suas doces palavras? Morrerão na expectativa, pois quedaremos em nossas residências até que se tenha absoluta segurança, e isso só deve ocorrer quando o dia de natal acabar - disse o carinha da casa desse conto.

Ao ouvir essas palavras (na verdade, nada se ouviu, mas faz parte da narração), o mutirão de bons velhinhos, ao qual denominamos de Papai Noel, praguejou (só o líder deles, não é falta de concordância verbal):

Ao polo sul com suas defensivas! Trouxemos presentes, e não nos esquecemos do seu iPad, e para seus companheiros, cervejas e boa carne, e outros regalos natalinos. O que te espanta? Acaso o bom velhinho já lhe fez mal?

Tendo dito essas frases, tomou distância (não como se toma whisky) e se direcionou, freneticamente, para a porta de entrada, batendo o ombro com força para tentar invadir o local. Em nada resultou. Mas, como se sabe, o personagem deve conseguir abrir essa porta logo mais. Enfim. O carinha da casa desse conto, ao notar que as regalias eram muito oportunas e, como estava com fome, achou ainda mais estranho que o Noel adivinhasse o que gostaria de ter no momento. Não sendo trouxa, e sabendo das artimanhas do velho, gritou "papai Noel não existe", de forma a irritar o exército vermelho que já se encontrava impaciente. O Zé do gorro e da barba, ao olhar o próprio relógio, viu que as horas passavam rapidamente, como o maldito ano, e que teria que ir em outras casas ainda. Para facilitar sua própria vida, ordenou que o exército de Natal (duendes que se vestiam de Noel no Natal, e ganhavam um extra) fizessem os demais serviços para ele. Aqui vale destacar que os duendes, ao longo do segundo semestre de cada ano, trabalhavam, de maneira escrava, para a família Imperial, mais conhecida como Mamãe Noel, Papai Noel e o Anticristo, mas isso é outra história e não quero me complicar. O que merece atenção é que no fim do ano, para que as "entregas" natalinas fossem feitas, esses duendes tinham a opção de vender suas férias e ganhar um dinheiro a mais, se vestindo de Noel e cobrindo o folgado do sedentário, dono de quase todo o Polo Norte e do Planeta de Fogo.

Tamanha a insistência, e com a boa lábia do Noel, os companheiros do carinha da casa desse conto, se renderam aos presentes de fim de ano, e assim, tendo acesso ao local, Noel disse veementemente:

Pois bem, grandes companheiros. Como sabem, sou um velhinho muito simpático. Trago presentes, escuto-os pacientemente, e ainda assim o amigo de vocês parece ter declarado guerra contra minha pessoa. O que fiz a ele?

Quando estava por terminar a pergunta, o carinha da casa desse conto, irritado e explodindo de raiva, gritou:

Ao inferno com seus argumentos! Não me terá de volta, não trabalharei feito escravo nos seus maquinários! Chega! A verdade, meus amigos, é que, ainda que eu tenha vivido sete anos com vocês e nada tenha dito sobre minha pessoa, sou eu um Duende. Mas tenho uma história. Sou um ser vivo, sou um humano como vocês. Esse maldito, tendo me capturado outrora, me transformou em duende, mas consegui reverter a situação e escapar. Agora, aqui estou, carne e osso, e pensei que a liberdade de ser quem sou me seria eterna.

Noel ria, gargalhava! Disse:

De fato, caro carinha da casa desse conto, isso tudo não passa de um teste. Eu bem suspeitava que você era um duende, gnomo, ou seja lá que raio. Não sou o Noel (e tendo dito, arrancou o disfarce), sou eu, Joaquim, apenas armei essa situação para que os outros soubessem quem tu és.

Não se preocupe caro leitor, o autor também está confuso.

Após essa cena, o carinha da casa desse conto, em prantos, disse:

Sei bem disto tudo, e imaginei que era uma armação, e que desconfiastes. Saiba que minhas lágrimas são piores que de crocodilo, e sei que tu és um Duende também, foragido.

Joaquim, assustado, forçando o riso, respondeu:

O que dizes? Estás louco? Sou humano, não forasteiro. Jamais fui duende.

O carinha da casa desse conto, por sua vez, ria. E realmente parecia que o poder do jogo mudava de lado. Disse-lhe:

Pois sim, saibas que eu sou o verdadeiro Noel (e assim se mostrou). Há sete anos armo as peças para que esse dia chegasse e enfim pudesse capturá-lo! Canalha! Voltarás ao Planeta de Fogo, e trabalharás, sem folga, durante todo o ano seguinte. E se reclamar, mando os cães fazerem de ti, picadinhos.

Joaquim, o Duende, fora transformado, novamente, em Duende. Noel voltou com ele para o Planeta, e nos anos seguintes não se ouviu registros dele.

Os outros moradores da casa haviam fumado seus baseados durante toda a noite, de modo que não lembrariam do ocorrido. E se lembrassem todos, que importa? Ninguém lhes daria atenção. Mas, caro leitor, será que toda a história não foi apenas um conto inventado por esses viciados, que, tendo se reunido em torno de uma mesa, fumando e bebendo doidamente, narravam histórias para se manterem acordados, rindo e falando qualquer besteira que lhes fossem oportuno?

Fica a dúvida. No fim das contas, é sempre dúvida que fica mesmo. Então, nada de novo. Nada, de novo.

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