20 de dezembro de 2016

Pobreza (e versos ainda mais pobres)


Na noite fria, nos escombros da rodovia, alguns
se ajeitam sob seus tetos feitos de ponte e iluminação pública.
Uma garota, pouco mais de seus nove anos, agoniada,
observa a imensidão do céu, com a fome de um selvagem,
e pensa em devorar as estrelas.

As estrelas, os astros todos, estão longe, longe, perto dos sonhos
que a guria deste poema tem. Se sacode. Algum rato inocente lhe acaricia,
como se estivesse adentrando no bueiro, mas é só a pele dessa moça.
Se coça, unhadas no corpo inteiro, e feridas no manto celestial, mas não maiores
que a tal da fome.

Amanhã, por volta das seis horas da manhã, estará de pé.
Te perguntas se ela frequenta o colégio? Sim, frequenta,
ou melhor, frequentava. Lá pouco aprendia, lá não era melhor que a rua.
A merenda escassa, e nos corredores lotados, a solidão.
Seus professores diziam que ela atrapalhava a turma, que
era vagabunda, despreocupada demais, burra, suja.
Talvez não dissessem com palavras, alguns com olhares, outros com o silêncio.

Ninguém se questionava o que ocorria?!?
Se se questionavam, certamente achavam que nada podiam fazer.
E as coisas assim vão indo.

Hoje, o poema reencontra essa moça, tão crescida.
O poema sabe que ela, indigente, como toda gente,
não é singular, não é só uma. Infelizmente, essa vida
é repetitiva, anda em círculos, em circos, e há quem ria
da desgraça alheia.
E há quem comemore a fartura da ceia.

O poema pouco pode fazer, o poema pouco se importa também.
O poema apenas descreve, apenas observa, e diz, como todos,
amém.

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