31 de dezembro de 2015

Drummond e o Ano Novo:

Carlos Drummond de Andrade e sua poesia sobre o novo ano, com nome de "Receita de Ano Novo". Creio não precisar escrever nenhuma poesia própria, Drummond por si só basta e transborda:

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)  
 
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
 

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

29 de dezembro de 2015

Imaginação Fóssil

Cansado
desse futuro
lá no passado,

que furo

parecia
tão perfeito

só de pensar
estava feito.

Que obra-prima
se escreve
sem nenhum clima?

É só na tempestade
que surge a luz
na cruel verdade,

mas, voltando ao assunto,
naquele passado o futuro seria diferente
e, as vezes me furto
pensando, pensando e pensando
pensando sempre no ontem.

28 de dezembro de 2015

Reflexão de merda

Parado, em algum ponto de algum lugar
fixo na inexistência. Reflexão dessa breve
e eterna vida, que quero cada vez mais
e quero cada vez menos.

Angústia? Não. Apenas uma lasca misantrópica
que me atravessa os sentidos enquanto
sorrindo abraço o mundo e lhe digo:
"venha cá, querido, pois te quero bem".

Parado. E todos giram ao meu redor,
corpos que, não sei bem dizer, atravessam
datas e nomes sem o mínimo de dignidade,
em busca desse amanhã melhor.
Mas hoje não querem sair do sofá,
do comodismo utópico de seus versos.

Angústia? Não. Apenas uma pedra misantrópica
que chuto em frente
para Drummond reclamar verso
após verso.

27 de dezembro de 2015

Haicais des-con-versados

Dia, madrugada
poeta é
quem não escreve nada.

Noite, tudo dormindo
menos a Lua que fica
para o telhado sorrindo.

E não termina o haicai
mas não fica, tempestade,
não sei para onde vai.

Vai fingir ser
para alguém
que finge ler?!?

Ou vai ficar trovando
versos de sarcasmo?

o haicai me deixa pasmo.
 

26 de dezembro de 2015

Mais um canto

Canto
não sei
quanto,
se sou rima
coisa fina
ou
no entanto,

canto
e sei que
espanto
até a mosca
coisa tosca
que vem
voando,

canto
não sei
até quando,
mas sei
até que, enfim
eu
canse de mim.

25 de dezembro de 2015

24 de dezembro de 2015

Sapo

O sapo, se encanta com seu retrato
visto sob meia distância na lagoa.

O sapo, de ser alguém já estava farto,
e resolveu ser ele, assim, bem na boa.

O sapo, se admirava, beirando ao narcisismo
quando queria ser belo mesmo, era anarquismo.

O sapo, que leve coaxa
nada mais dos outros acha,
resolveu viver sua vida
sua tosca vida, vidinha de sapo
vida que no fim é esse trapo.

O sapo, esperto ele, desistiu
de tentar mudar o mundo inteiro
e resolveu ser apenas um sapo,
feliz, vagaroso, mas serelepe
quando as moscas aparecem.

Moscas que se importam
demais com a merda
alheia.

23 de dezembro de 2015

Gaita e versos

Feliz ficarei
se vier qualquer nota
mesmo que desastrada
mesmo que fora de rota,
e então serei rei
na gaita.

Pois essa nota, senhores,
me faz falta.

E fica variando
entre o sopro de melancolia
entre o sopro de felicidade
mas sei que, na verdade,
espero o quando
aquele quando difícil de vir
de nota indefinida,
que de alegria plena
se finda.

21 de dezembro de 2015

Abascanto I

Aquele canto preciso
que ninguém jamais soube
aquele canto
da parede ou do pássaro,
entre cortinas ou o céu
que no entanto
são a mesma arte.

Aquela obra prima
que quedou abandonada
de propósito
como quem não quer nada
e de repente
lá do depósito
surge como ideia
revolucionária.

Aquele canto
ninguém vai entender.
Aquele riso
travestido de pranto
não foi feito
para se ler,
foi feito para voar
foi feito para ser desfeito
antes que a vida lhe diga
que para ser ele não leva jeito.

Aquele canto de chuva
aquele canto silenciado
aquele espanto que turva
o ser mais apaixonado.

Ou o canto do encanto
ou o canto do desencanto,
que no final são um só,
em dó sustenido.

É, aquele canto,
vai ficar assim
um irônico diabo
ou
um feliz querubim.

20 de dezembro de 2015

Além da mesa

A vida, essa vida,
nos dá apenas
uma certeza.
E para quem a entende:

depois do almoço
não tem sobremesa,

talvez algum osso
para ser roído,
ou um poema
para ser lido
por alguém
sem paladar
sem muito verso
para doar.

19 de dezembro de 2015

Ex-excogitações

É nesse falso mundo que componho
nesse mundo de verdades absolutas
onde o poeta é o único Deus,
quer criticar, devorar pessoas, fingir
se importar com as flores alheias,
fingir e como ele, rir, lá do trono,
enquanto heróis desconhecidos morrem
pelas mãos dos vilões declarados.

É tudo falso. Nada que se possa dizer
é realmente verídico. Que se possa dizer.

No entanto, as palavras de exaltação
são as mesmas que enforcam o escritor,
e mesmo que nada seja real,
não deixa de ser uma bela ilusão,
e todo início no fundo é
uma ode para a morte, para o fim.

Sem palmas, sem o rico último ato
tudo termina quando o poema acaba,
tudo termina quando o poeta se cansa
de fingir.

E então,
a criação de despedaça como xícara ao chão,
os cacos são ignorados,
e, além do poema, nada mudou.

Faço meu café, forte, como o Sol dessa cidade,
e volto a ser eu mesmo, mero personagem
de poemas desconhecidos,
entregue, quem sabe, na mente delirante
de um escritor supremo,
o Acaso. E só ele.

18 de dezembro de 2015

Insular

Baby,
não me pergunte
o que penso,

Lady,
não se assuste

eu lhe disse
o meu vazio
é imenso.

No teu jeito, um lar,
mas não me retire
do meu extenso insular.

17 de dezembro de 2015

Entre o dizer e o ouvir

O poeta gritou aos surdos:
"-A guerra, sem dúvida,
vai acabar em breve..."

e interrompido por palmas de alegria
soluços de felicidade e histeria
calou no meio a poesia,

respirou,
e em voz alta
exclamou:
"...com todos nós"

ninguém deu-lhe atenção.

Pois assim somos
escutamos apenas o que queremos.

16 de dezembro de 2015

Manifesto do desencanto II

Sobre teu amor
as palavras cantaram
uma, duas, três, mil vezes
se não me engano.

E, sei bem o valor,
dos versos que ficaram
uma, duas, três, mil vezes
no meu sentir profano.

As madrugadas sonharam
sonhos que o dia levou,
mas alguns versos ficaram
para o pássaro, que longe
longe, longe de ti, voou.

Ledo engano crer no sempre
crer na imortalidade da rima.
Toda vez dito, que me lembre,
acaba sendo fim, não obra-prima.

Sobre teu amor
grato estou e estive,
senti que sentir por si só
não basta,

e eis que estás livre

teu canto é do vento
teu riso do solo,
e eis aqui meu lamento,
como J.L.B.,
solo y conmigo...
 
 

Manifesto do desencanto I

Não é breve o interesse pelo teu sorriso
nem a saudade que sinto dos teus lábios,
menos ainda o que está além de tudo isso
e além dos atos, mesmo que não sábios.

Não é complexo, até por demais simples
que os versos que escrevo dizem o suficiente
e dizem tudo e nada de uma única vez
o que poderia ter existido, o que ficou ausente.

Venha ver o Insular, essa ilha em que vivo
que não permitiu que fosse, que não desejou
que eu fosse simplesmente isso que sou,
enquanto eu batia palmas para tuas rimas.

Ai, e dos olhos eu cantaria rios,
e do pensamento eu criaria novas florestas,
mas, os nossos imensos vazios
viviam olhando da porta as frestas,
a alegria estampada nos rostos alheios.

E você, sempre com medo do que os outros pensariam
enquanto eu, eu via que todos não se importavam, riam
da importância escancarada que lhe davam; pelo fato
de se importar mais com o que diriam por ai, farto
estive da pouca atenção que me era verdadeiramente dada.
E de braços abertos evitei o pouco e abracei o nada, o nada.

Mulher, estive a beira da loucura
mesmo que não lhe dissesse.
E então, procurei qualquer cura
em outro canto, outra prece

numa segunda-feira blues
o céu negro banha o oceano.
Triste, mas em paz, triste
com o que não mais existe.

A mudança. Essa sim é permanente.
Como um amigo certa vez cantou ao ar,
"O nunca, às vezes, falha;
O sempre, sempre".

15 de dezembro de 2015

Um amasso, um beijaço...

Fui beijar a Lua
encontrei-te no lado oculto,
o beijo
na boca tua
me veio quente.

Surto
de Estrela cadente,

tudo o que desejo
está
 
ausente?

13 de dezembro de 2015

Vidros

O pior cenário possível
seria de longe jardim de flores
para os atormentados pelas palavras,

seria paz, luz no fim do túnel,
mas no fundo, tristeza.

Há coisa mais imbecil
que sentir prazer
pelo sofrimento que as palavras causam?

No fundo, todos nós bebemos
do sadismo, da auto-compaixão,
e do masoquismo.

Tragédia no cálice da ironia,
esse é o método, eis
a estúpida sede de razão.

12 de dezembro de 2015

Estranhamento

Palavras vagas
vagam
na linha errada,

qual linha certa
acerta
o nada?

triste é
quando estamos
vazios
por conta
do muito.

10 de dezembro de 2015

Desconstrução. Não sei se minha ou da poesia.

E se percebe, insight
que a vida nos permite:
superficial tudo
que até agora existe,
e lá no fundo,
até minha condenada alma
apenas, com muita calma,
se revira de inferno em inferno
procurando um poema, só um poema
que valha a pena no caderno.

Loucura absoluta
viver como se a vida
fosse eterna luta.

Sem saber contra quem
e se alguém além de si mesmo,
eis que tudo que vem
parece estar assim, a esmo.

Meu caro,
as vezes
tenho a impressão
de que algum deus
de mim
tira sarro.

Canção natalina II

Natal
pisca-pisca.

Da Lua
odalisca.

Brilho
que ofusca.

Coisa
bem intrusa,

sem charme
sem naturalidade
sem paz.

9 de dezembro de 2015

Canção natalina I

Os enfeites de natal
nunca estiveram pendurados nas árvores natalinas,
os fogos de artifícios
nunca estiveram brilhando naquele belo céu.

Os enfeites de natal
são os sorrisos nas faces das branquelas meninas,
que em seus ofícios
se banham de maquiagem e usam o véu
para fugir do rosto, da verdade.

Os presentes de natal
são ausências dos outros
trezentos e sessenta e quatro dias.

8 de dezembro de 2015

Vênus, calor e ironia

Calor, pra cima
dos quarenta.

Não há diabo
que aguenta.

Muito menos
santo.

Calor que Vênus
quer
tanto.

E qualquer miserável
com aquela quereria,
deusa de toda amável
e longe de ser virgem Maria.

Prazeres mundanos
que até os deuses invejam.
E Vênus, ah, Vênus.

Pensamento insano:
aos braços de Marte
trair Vulcano.

7 de dezembro de 2015

Sob o mesmo chão

Chuva, tempestade
toda mentira
quer ser verdade.

O sujeito inventa
com medo de ser
coisa que ausenta.

Então, a matéria
acaba por ser livre.
Mentira é coisa séria,

tudo é falso
por isso silencio
o final
desse haicai
que faço,

(pra ninguém falar
que foi eu quem disse:
no fundo a verdade
também é crendice).

 

6 de dezembro de 2015

Pintura sem tela

Sejam bem vindos
a mais um dia
parecido com o anterior.

As almas seguem aprofundadas
na superfície.
Os sorrisos continuam amarelados,
e o cansaço é sempre o mesmo.

O ônibus, no mesmo horário,
os passageiros, alguns irritados com a demora
outros atrasados correm contra o tempo.

Os carros, esses estão mais velozes
e potentes, mas são cada vez maior seus números
e portanto não podem acelerar.
Congestionamento. Tédio. Drama.
As vezes assassinatos. Xingamentos no mínimo.

Sejam bem vindos
ao novo dia de novo,
um pouco mais do mesmo
visto pela mesma ótica, sob outro plano de fundo.

E atenção, ignore, apenas ignore,
a loucura é uma variante da normalidade
ou a normalidade variante da loucura,
apenas ignore e não estranhe se eles se sentirem
poderosos. Os fantoches raramente descobrem
que são apenas fantoches, no mais
evitam a verdade. Ela é cruel
e somente quem gosta de sofrer quer realmente
evitar as normas, dogmas e contratos sociais.

No mais, seja bem vindo.

5 de dezembro de 2015

Zero fisiológico - Huxley



Meu bem, me dê mais um pouco de Soma, uma dose
Dessa aspirina que os poetas jamais inventariam.
Meu bem, será possível estarmos mesmo sobre hipnose
Algum tempo me pergunto como os selvagens seriam.

Meu bem, ponto zero de percepção desse termo que nos cerca
E, no entanto, para cada amor um sofrimento maior ainda.
Meu bem, será que essa frieza realmente nos seca
Quando os selvagens choram dor aguda que não finda.

Meu bem, tudo tão estranho, eu Alfa, você Beta,
E os outros não nos deixam ser quem realmente somos.
Tem vezes que o mundo dos selvagens acerta
Em dizer que nosso mundo é cruel e que nunca passaremos
De cópias idênticas. DNA, RNA, Síntese e Cromossomos.

Meu bem, que nunca minha, qual o mundo real:
Aquele em que os versos são falsificados em busca da estética
Perfeita, ou, aquele em que não importa a rima
Tampouco as palavras simplórias, mas sim a essência,
Que para nós já nada diz?

Oh, o que foi que fiz?
Duvidei! E a dúvida para nós, alfas, será sempre uma vergonha.
E vergonha é erro.

Meu bem, mais uma dose de soma
E o delírio fugirá de nossos corpos.

4 de dezembro de 2015

Poesia entre a Torre e o Nada

I - Foi então que notei
a torre era a mais alta da cidade.

Mas logo errei,
como todos só olhei a metade.

Preocupada em ser a mais alta
ela deixou o principal em falta.

Olhavam para o alto e ela ali estava
ninguém se deu conta de que algo faltava.

Apesar de sua grandeza notável
a torre pareceu-me instável.

Resolvi observar o chão ao seu redor
e constatei que cada vez que ela crescia

o aspecto ao seu lado era pior
e qualquer vida ali logo logo morreria.

Nesse desejo por grandeza
deixou para a morte, de bandeja,

já vista a maior profundeza.
E outros sentiam inveja.

Faltava o alicerce.
E apesar de mais alta, mais vistosa, mais detalhada
sem o alicerce ela se tornou como sempre: nada

além de pó. A diferença é que sua queda
foi, sem dúvida alguma, a maior merda

e respingou pra todo lado.



II - E perto dela
algo
era, as vezes,
admirado pela janela
de um sábio.

Considerado louco
quando viram o mesmo
que ele,
a glória foi pouco:

viram nada
e olhavam todos a esmo.

Felizes como nunca
admiravam aquela
espelunca,
pela bela janela
todos eram felizes:
um ponto da cidade
o nada existia:
vida cheia demais
é vida vazia.

3 de dezembro de 2015

Eu vou sair da área de alcance!

Faz alguns dias uma ideia me corre solta nessa coisa estranha que chamamos mente: fugir, por pouco tempo que seja, da área de alcance de todos, me isolar por um tempo, me tornar um Zaratustra, ou seu décimo quarto discípulo ("o que desafia e fustiga o seu Deus"). Um pingo de misantropia tem sido posta no meu caneco, bem aos poucos, lentamente, dia após dia. Sentimento contraditório à prática: em sério o que tenho feito é me aproximar cada dia mais da demência do mundo. Compartilho, como qualquer ser humano uma loucura não assumida, e também uma loucura assumida, que chamamos normalidade.
Como a filosofia as vezes me entedia, devido ao seu extremo moralismo, procuro, como muitos, na música algo que queria dizer mas não disse, talvez por não saber usar as palavras tão bem, talvez por saber as palavras tão bem que possuo medo delas. Talvez tantas mais. 1Berto Gessinger possui o poder de tranquilizar uma alma fortemente desencontrada. Essa música se chama "Pra ficar legal", e para cada momento uma canção. Do álbum "Surfando Karmas e DNA".
Adendo: é incrível, quando chega em dezembro eu enfio o pé na jaca de olhos bem esbugalhados e propositalmente. As festividades natalinas e de ano novo são para mim o ponto mais triste do ano. O mais chato, o mais falso, o mais banal, o mais sem sentido possível e impossível. Se der, isolar-me-ei em algum lugar que se possa acampar, na barraca, para pensar sozinho um pouco e, particularmente, estou "louco pra ficar legal longe da euforia industrial", como diz no trecho da canção. Quero "respirar com paciência", "louco pra ficar em paz"...
Quem ainda não se ligou (e me pergunto como) que do dia 25 de dezembro ao dia 2 de janeiro são os dias que mais transpiram falsidade? Sorrisos irônicos e diabólicos travestidos de santidade. 
agora não
ainda é cedo pra esquecer
eu vou sair do ar um tempo
na contramão do que está por acontecer
vou respirar com paciência

sei que lá fora brilham luzes artificiais
lá fora o fogo das caldeiras pede mais e mais
querem sempre mais

louco pra ficar legal
longe da euforia industrial
louco pra ficar legal
longe da histeria carnaval

agora não
é  muito tarde pra entender
eu tô fechado pra balanço
na contramão de tudo que dizem que aconteceu
eu vou sair da área de alcance

sei que lá fora a banda toca em outro tom
lá fora ainda rimam soluções
lá fora violência vende mais

louco pra ficar legal
longe de um romance policial
louco pra ficar legal
longe Porto Alegre-Rio-Nepal

louco pra ficar legal
longe de um pecado capital
louco pra ficar em paz 
longe demais das capitais

2 de dezembro de 2015

Caminhada II

É no ato de correr, na prática do caminhar
que as ideias surgem livres e deliberadamente rarefeitas
sob a forma da respiração ofegante.

A alma tem liberdade, o espírito traduz no movimento
a sua rotineira prisão verbal, e os olhos
traçam no asfalto prosas e versos que, ao anotar,
não são mais os mesmos.

E poesia é isso
aquilo que era para ser escrito
acaba por ficar omisso
e o que não era
os outros acham bonito,

não como Leminski.
O que escrevo não vira sucesso,
raramente vira verso,
se vira, se vira para ser o inverso.

1 de dezembro de 2015

Sala de Espera...


Caminhada I

Assim, eu e o silêncio
caminhamos juntos por duas horas
todos os dias.

Eu vou correndo
ele me seguindo
vamos nós dois, indo
para onde as palavras não chegam,
na verdade, até chegam,
mas passam sem valor
sem sentido algum, e somos nós dois.

Eu e o silêncio,
quase uma dezena de quilometro pela frente,
até sermos, no meio do caminho, três,
eu, o silêncio e o suor.

Depois, são algumas horas mais de uma noite
feita para ser escrita, não sentida,
feita para os morcegos fanáticos pela obra
de não pregar os olhos no travesseiro,
feita para, novamente em silêncio,
não precisar dizer nada, pois calando me entendo
melhor. E calando me entendem melhor também.

Assim, na gaveta, na primeira gaveta para ser exato,
algumas palavras dormem em folhas tortas
por natureza. Elas dormem, eu e o silêncio não.